segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Furacão.

Ele estava quieto em um canto.
Ela estava quieta noutro.
Ela se aproximou tristonha.
Ele pensou em recuar, mas continuou onde estava.
Ela roçou as pontas dos dedos pela barba por fazer dele e sussurrou:
"Escuta: me perdoa, me perdoa por ser assim, por ter esse medo absurdo. Mas você não sabe, amor, você não vê. Se eu esticar minhas mãos e te tocar, você vai sentir como eu tremo só de falar sobre isso. Se eu colocar sua mão no meu peito, você vai sentir como meu coração se dispara e para subitamente só de pensar em você. Se você abaixar as mãos um pouco mais, você pode até sentir um pouco das pontadas que meu estômago dá repentinamente só de te observar de longe. Eu sei, menino, eu sou um caos. E eu não queria ser assim. Eu não queria ficar calada de medo só por saber que eu estou submersa numa imensidão que eu desconheço... Ou que eu conheço até demais. Tenho medo do futuro não ser nada do que eu espero. Tenho medo do presente também não ser nada do que parece. Tenho medo de mim. Tenho medo de você. Eu não queria lacrimejar só porque fiquei com ciúmes do seu passado, eu não queria sumir um dia inteiro só porque eu queria que você sentisse minha falta. Eu não queria, mas eu faço essas coisas. Eu faço isso e muito mais. Eu sou ridícula, eu sou um furacão e eu posso destruir tudo, eu sei. E eu já te pedi perdão por ser assim. Mas eu te peço agora que me aceite. Não foge de mim. Atrás de tanta bagunça, tem alguém que nutriu um sentimento absurdo por você, alguém que pode até sentr raiva de você, mas essa raiva nunca supera a vontade de te ter por perto...", ela suspirou.
Os dedos dela já estavam fazendo um movimento automático de sobe-e-desce no rosto dele.
Ele a olhava calmamente.
Ela suspirou de novo.
Ele piscou várias vezes antes de tirar a mão dela de seu rosto.
Ela sorriu aliviada quando ele entrelaçou seus dedos.
"Eu não vou fugir. Eu quero ficar. Não precisa lacrimejar pelo meu passado e nem pelo futuro. Eu sei que o futuro é uma incerteza, mas eu estou aqui agora. Lacrimeje de alegria por saber que eu não tenho medo de você. Eu tenho medo de te perder, mas eu vou ficar. Eu quero você. Só você. Vou continuar onde estou e quando nós vermos, já vou ter ficado a vida inteira", ele disse antes de dar um beijo no canto da boca dela.
E a menina lacrimejou de alegria, fechando os olhos logo em seguida.
"Dorme bem, amor...", eles disseram juntos e viram que a tormenta havia passado.
O furacão havia virado brisa.
E a noite podia, enfim, se encerrar.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

(Re)ver.

Você sempre foi minha certeza, meu melhor amigo. Eu lembro bem da primeira vez que eu te vi: naquela esquina do nosso antigo colégio. Todo final de aula lá estava você, lá estava eu. Trocávamos insultos que nos arrancavam risadas e eu sempre te implorava por um abraço que você sempre negava ou senão, você até que me abraçava daquele jeito meio torto que eu reclamava, mas sempre gostei. Eu falava que você não sabia abraçar e você me empurrava. Íamos embora andando, nosso caminho era o mesmo até certo ponto que eu virava uma esquininha para ir para casa da minha avó e você continuava reto. Durante o caminho, você sempre falava das minhas pernas de alicate e dos meus tropeços, eu te dava tapas nas costas e você falava: "Filha da puta, mentira, eu gosto da sua mãe" e eu ria muito. Brigávamos sério também, mas me lembro de uma vez que fomos o caminho todo abraçados depois de fazer as pazes. Você sempre foi fechado demais e lembro o tanto que me doeu quando te vi chorar no shopping, na frente de todos e eu só te olhei com o coração doendo porque fiquei sem reação. Por você ser fechado demais, lembro bem da sua mania de implicar com a minha sensibilidade, você dizia que não entendia porque eu me abalava tanto com seu jeito e eu falava que grosseria me abalava e começava a repetir sobre a sua frieza. As várias bebedeiras que já tive até hoje sempre eram melhores quando você estava por perto: a nossa dancinha enquanto cantarolávamos "vamos-beber?" e nossas noites em claro brincando ou rindo ou cantando mais ou dançando. Teve aquele dia que dez da manhã eu estava deitada no seu colo e do nada soltei um "Mimimi" e você estava meio dormindo e gargalhou sonâmbulo enquanto a TV passava algum desenho animado baixinho. E chegou o dia que você teve que ir embora pra bem-longe-daqui. Nunca te contei, mas depois daquele abraço demorado que nós demos na sua festa de despedida, eu cheguei em casa trêmula e chorei como um bebê. É inevitável um distanciamento das almas quando a distância física surge, mas nós continuamos, lembro de você dizer que estávamos a "uma mensagem no celular de distância" e eu sempre concordei. Eu te ligava bêbada e pedia para você dizer que ainda gostava de mim e você falava que isso não era preciso falar e logo depois falava: "Shiu, não me pede prova de amizade". Você me mandava mensagem contando o que havia feito naquela noite de sexta-feira quente e eu ria porque você não havia saído com a loira-gatíssima porque tinha esquecido o dinheiro em casa. Você já me magoou demais desde que se foi pro lado de lá, mas nada foi o suficiente para me fazer deixar de sentir essa imensidão de carinho dentro de mim. Nos últimos tempos, a certeza permanece, apesar de você já não aparecer tanto assim. Mas eu só queria te dizer umas oito vezes seguidas o tanto que você significa pra mim. A saudade está grande e a vontade de te abraçar — daquele jeito meio torto — está maior ainda. Não me esquece, por favor. Eu preciso muito te (re)ver.

domingo, 23 de outubro de 2011

Universo Paralelo.


Pisquei os olhos e me vi combinando com você o nosso futuro. O meu futuro, mesmo nessas nossas conversas, é meio incerto: ainda não sei se vou ser hippie, bióloga ou psicóloga. Eu preferiria ser o primeiro, dirigir uma kombi e te pegar pelas mãos sem preocupações. Mas não será bem assim...Você vai fazer medicina e será o mais viciado no cheiro do formol que exala pelos laboratórios dos cadáveres que você vai tanto amar. Vou te negar abraço depois das aulas de anatomia, isso já foi decretado. Você vai se formar e em dois mil e dezoito vamos nos casar. Até lá eu já espero ter dado um jeito na minha vida também. Vamos nos casar no dia quatorze de setembro, para ser mais exata. Algumas semanas depois, vamos viajar pra nossa lua-de-mel. Já falamos sobre ser em Paris, na Argentina ou na Holanda... Mas pouco importa o local se vamos mesmo é ficar trancados no quarto do hotel o dia todo — isso foi você quem disse. Teremos cinco cachorros, dois gatos e um unicórnio. O unicórnio vai se chamar Nico porque somos criativos e o resto não decidimos. Teremos dois filhos, mas você disse que quer quatro — depois eu te faço mudar de ideia —, eu sei que a menina vai se chamar Sophia porque parece nome de princesa e o menino você quem decide, mas tente colocar um nome bonito, por favor. Você vai ser o melhor pai do mundo, eu vou ser a melhor mãe do mundo. No nosso jardim, vão ter muitas borboletas e não tente discutir isso comigo. Você, como excelente médico, vai salvar nossa família quando dermos nossos ataques de hipocondria. Você vai cuidar de mim, eu vou cuidar de você. Você vai falar espanhol pra mim. Eu vou tentar falar francês pra você. Vamos ver o Sol nascer juntos. Você vai gostar de dar beijos na minha nuca. Eu vou gostar de te bater de vez em quando. Vou rir quando ficarmos bêbados juntos, mas vamos dar lições de moral pros nossos filhos serem mais responsáveis em relação a bebida. Vou te obrigar a cantar pra mim. Vou cantar pra você quando você quiser e vou fazer questão de desafinar só pra te irritar. Vou gostar de você em todos os Natais da minha vida. E sempre que eu fecho os olhos antes de dormir, consigo adicionar detalhes pra essa história que nem começou, mas parece existir há tempos. Às vezes, tenho quase certeza que existe um universo paralelo em que nós temos uma vida juntos porque só isso explicaria tantos planos e sonhos que parecem estar tão perto das minhas mãos, mesmo estando tão distantes. Mesmo parecendo tão impossíveis.

sábado, 22 de outubro de 2011

Menos, menina.


Olha, eu não devia estar surgindo agora, eu não deveria surgir, mas eu estou aqui porque preciso estar, preciso falar contigo, preciso chacoalhar seus ombros e te obrigar a olhar dentro de si mesma. Desculpe por ter vindo sem avisar, desculpe por ter entrado e sentado no seu sofá sem você me convidar, desculpe por ter te acordado do sonho. Desculpe mesmo. Vou dizer o que tenho para dizer antes que você me expulse... Tira o pé do acelerador, menina. A vida corre, sim, mas isso não significa que você precisa correr o risco de atropelar seus sentimentos da pior maneira. Tira o pé do acelerador, aperta um pouco o freio e respira fundo porque essa viagem está só começando. Não mergulhe tão fundo de cabeça e de olhos fechados, você não sabe se lá embaixo só há pedras te esperando e você não sabe dos perigos que existem nesse mar. Não voe tão alto porque a qualquer momento uma tempestade pode cair e te derrubar das nuvens. Não acredite em todas as palavras que você ouve, você já leu textos demais que afirmam que as palavras e as ações só são verdade quando andam juntos e você sabe que esses textos são sinceros . Lembre-se das histórias que já te contaram sobre corações partidos... Melhor: lembre-se do seu coração partido, tão miúdo e dolorido enquanto você chorava baixinho pelos cantos. Lembra? Lembra daquele ano que seu ursinho de pelúcia não aguentava mais te consolar porque todos os dias você sussurrava tristezas na orelha vermelhinha dele? Lembra, garota, lembra... Lembra daquela vez que você mergulhou tão fundo e quase se afogou. Lembra dos castelos de areia que desmoronaram quando você jurou que estava tendo algum progresso. Não se importe em ficar por enquanto só chutando as ondas fraquinhas que não te fazem nem cócegas. Não estou te pedindo pra fugir, estou te pedindo para ficar: fica onde você está, mas fica calma. E eu sei que é um pouco tarde para te pedir isso, mas tente não se apaixonar, menina. Não agora, não tão rápido. Por favor. Eu te imploro. Respira fundo e entra devagar nesse mar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Não vou escrever sobre você.


Eu não ia escrever sobre você porque não sei como fazer isso. Eu só sei escrever sobre pessoas que saíram da minha vida ou sobre personagens invisíveis, não sei escrever sobre você. Eu não podia escrever sobre você porque quando eu escrevo sobre alguém, eu me assusto com minhas próprias palavras e me escondo com meus papéis e fico assombrada por tempos e tempos e as palavras jorram e escapolem e me ferem e me cortam e criam coisas dentro de mim. Não gosto dos meus tracejados, mas acredito na magia deles... Por isso que eu não devia escrever sobre você: eu tenho medo. Medo de abrir espaço e dar ar para isso nascer, crescer e viver dentro de mim.

Eu juro que não podia escrever sobre você, mas noite passada eu me peguei triste, menino, a tristeza me invadiu fundo e só seu nome rondava minha cabeça. Não pense que a culpa é sua, não não, a culpa não é sua... Eu não fiquei triste por você, eu fiquei triste por mim, mas com o pensamento em você. O que eu posso dizer para te explicar melhor? Eu me senti toda atrapalhada e amedrontada, acho que é isso, entende? Não, você não entende. Se nem eu entendo, você não entende. Eu não devia escrever sobre você, mas estou aqui porque quero ver se ao menos minhas palavras alcançam algum sentido.

Eu não ia escrever sobre você, mas começou a tocar aquela música que me lembra você. Eu não ia escrever sobre você, mas falaram algo na rua que me lembrou você. Eu não ia escrever sobre você, mas você me ligou. Eu não ia escrever sobre você, mas eu te liguei. Eu não ia escrever sobre você, mas meu pensamento se inchou de tanto "você" na minha cabeça que eu me rendi. Olhei pra mim mesma e falei: "É isso que você quer? Ok! Vou escrever sobre o tal, mas depois não reclama". Eu sei o risco que eu estou correndo enquanto escrevo sobre você, mas eu sei mais ainda que minha cabeça corria o risco de explodir se eu não escrevesse. Juro que não estou exagerando, juro mesmo.

Mas agora que eu já estou escrevendo sobre você, não sei o que falar. As palavras sumiram como mágica... Três parágrafos tentando dizer algo e não dizendo nada. E o que eu poderia acrescentar? Frases sem sentidos explicando o que me faz cantarolar "você-não-sai-do-meu-pensamento"? Relatar sobre as famosas horas iguais que eu tanto tenho visto esses dias? Reescrever as coisas que você me diz e que me arrancam tantos sorrisos e risadas? Expor no papel a minha vontade de te abraçar? A minha vontade de te agradecer? Não, não, deixa tudo isso pra próxima... Agora eu só vou dizer uma coisa, agora eu só quero te pedir pra não deixar esse carinho se acabar. Não deixa, por favor, não estou pedindo para criar um mundo encantado, não é isso... Só estou te pedindo para conservar essa compatibilidade instantânea que eu senti com você. Não some, não me esquece, não foge, não desaparece: continua aqui. Só isso: continua aqui. Eu não devia escrever sobre você, mas escrevi.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Fragilidade, frágil idade.


Juntei os papéis, enxuguei o rosto e suspirei com os dentes cerrados: "Agora eu arranco isso daqui". Era uma espécie de súplica para mim mesma, eu estava suplicando por paz ou pelo menos pelo fim da guerra. Quando encostei na caneta, comecei a fazer tic-tac no botão que fazia a ponta aparecer. Tic-tac. "Mas o que está me incomodando?", tic-tac. "A vida...", uma voz dentro de mim sussurrou. E eu escrevi: "A vida me incomoda". Mas me arrependi logo depois e rabisquei com muita força o tracejado. Tic-tac. "A vida não me incomoda, as pessoas me incomodam...", eu escrevi na linha abaixo. E a voz dentro de mim perguntou: "Quem? Diz!". E niguém me veio em mente: pensei em várias pessoas e não pensei em ninguém. Rabisquei de novo. "Eu me incomodo...", escrevi e borrei o papel com uma lágrima escura. Lágrima suja de lápis de olho, papel sujo de caneta borrada. Arranquei a folha com cuidado do caderno e embolei no menor tamanho possível. Mas a voz continuou: "Escreva a razão para você se sentir incomodada por você mesma..." e eu lambi meus lábios, abri uma página aleatória em branco e tentei recomeçar a escrever. Mas nada saiu. Rasguei e embolei uma quantidade incontável de folhas, não soube dizer o que me incomodava em mim mesma e era exatamente esse o problema: o vazio.

domingo, 9 de outubro de 2011

Meduso.


Todos conhecem a Medusa: cabelos que na realidade são cobras e olhar capaz de petrificar qualquer um que fixe seus olhos nos dela. Todos conhecem a Medusa, mas apenas eu conheci o Meduso. O rapaz que não possui cobras no lugar dos fios de cabelo, aliás, seus cabelos são bem brilhantes e negros — como carvão. Nada de sobrenatural acontece com quem lhe olha diretamente nos olhos, ninguém vira pedra, o feitiço dele vai além, vai fundo. Se você o ver por aí, saiba que ele parece uma pessoa qualquer e é aí que a maldição se inicia... Então, camarada, não pense que ele é qualquer um porque ele não é. Ele é o Meduso: medonho e absurdamente irresistível.

A primeira vez que eu o vi foi num dia chuvoso em meados de algum mês que não me lembro agora: acho que foi junho, mas pode ter sido setembro... Eu havia saído de casa sem guarda-chuvas porque o Sol estava lindo no céu. Estava indo ao shopping ou a casa de uma amiga, não me lembro bem também, só sei que a chuva começou a cair quando eu estava na metade do caminho. Juro que parecia que alguém havia pedido no ouvido de São Pedro pra derramar o céu sobre a minha cabeça — onde já se viu um Sol tão lindo virar água em quinze minutos?

Tenho medo de contar essa parte da história porque logo depois que a chuva começou a cair, na esquina oposta do quarteirão em que eu me encontrava, lá estava ele com guarda-chuvas e óculos escuros. Eu abaixei os olhos porque me senti intimidada, mas eu sentia que ele estava se aproximando... Ele vindo e eu indo, eu cabisbaixa e ele com passos firmes, o campo eletromagnético dele invadindo o meu e aí aconteceu: nossos ombros se esbarraram com tamanha força que eu cambaleei e teria caído se ele não tivesse me segurado. Enquanto ele sorria pedindo desculpas, eu me mantinha hipnotizada com as mãos dele tocando o meu ombro. Ele tirou os óculos e se esforçou para que eu olhasse diretamente na sua pupila, na sua íris, nos seus cílios, na sua retina... E eu olhei. Olhei e senti o mundo caindo ao meu redor. A chuva sumiu, o chão sumiu, ele sumiu, eu sumi.

Comecei a vê-lo, então, todos os dias e em todos os lugares. Parecia alguma assombração que me perseguia. Em todas as vezes, ele se aproximava sorrindo, me dizendo um simples "Oi" enquanto retirava os óculos. Aqueles malditos olhos me provocavam as mais diferentes reações: a felicidade virava tristeza, a tristeza virava alegria, a calmaria virava tempestade, a agonia virava paz. Foi assim por meses, eu me sentia louca, mas me sentia amedrontada para dizer a alguém que um simples estranho me provocava aquelas mudanças de humor absurdas. Meses depois, já não éramos estranhos e eu tinha necessidade de vê-lo, de tocá-lo, de abraçá-lo, de entendê-lo, de desvendá-lo. Tinha necessidade porque ele se tornara o alvo do meu afeto e da minha devoção. E eu era como uma rainha ao seu lado. Planos e promessas sussurrados completavam os beijos dados no escuro do cinema. Mas eu mal sabia que isso fazia parte do feitiço, do sonho — ou seria pesadelo? Não lembro bem quando, não lembro bem onde — acho que ele teve o poder de mexer com as minhas memórias também —, mas um dia ele simplesmente sumiu. Evaporou. Não deixou carta, não telefonou, não mandou recado pelo vizinho, nem por pombo correio: nada. Nesse dia, senti um tremilique esquisito e comecei a chorar enquanto sentia uma dor no peito.

Eu ainda acho que preferiria virar, literalmente, uma pedra ao olhar nos olhos da Medusa do que ter vivido uma história ao lado do Meduso e ter tido, no final das contas, meu peito petrificado. Tome cuidado se o ver na rua, não deixe que ele encoste em você e nem acredite nas promessas do amanhã. Eu acreditei, eu o olhei nos olhos, eu me deixei ser tocada e estou aqui: parada, sem ninguém, tentando achar uma forma de quebrar essa maldição. Não é atoa que seu nome começa com M de medo e termina com O de obsessão.

domingo, 2 de outubro de 2011

Carta ao ilusionista.


A vida me impossibilitou de seguir te amando, meu amor, eu queria ter me mantido nessa insanidade para o resto dos meus finitos dias, mas foi a vida quem me puxou para longe. Eu te gritei enquanto pude, mas minha voz sumiu. Foi amedrontador... As lágrimas ardiam enquanto eu era arrastada e o vento batia forte contra meu rosto, a minha garganta se cortava sozinha enquanto eu gritava de maneira inaudível. Por mim, eu teria me equilibrado nessa corda bamba segurando a sua mão, mas eu sei que você gosta de pisar em terra firme e por isso me chamou para a realidade. A culpa não é só da vida então, a culpa é também sua. Foi você quem me deu a mão e me chamou para me juntar ao seu circo e apesar do medo, eu te acompanhei porque confiei no seu olhar de ilusionista. Olhar profundo, olhar hipnotizante, olhar amedrontador... Você me provocou tantas ondas elétricas e agora só sinto calafrios ao olhar seu retrato que ainda não tive coragem de jogar fora. Queria uma explicação para tantos adeus em poucos minutos, para tantas rasteiras no início do show... Estávamos só começando, você sabe bem, não é? O circo havia sido montado, havíamos feito a primeira apresentação juntos, mas você desistiu antes do fim do espetáculo. Ainda me lembro bem da cena: todas as luzes se apagaram, você sumiu e a plateia sumiu, mas uma luz branca ainda me iluminava e eu estava parada no meio do lugar sozinha e chamando seu nome. Depois suas risadas começaram e você me pediu para partir. Eu chorei e implorei para que me mostrasse meu erro, mas você não o fez. Disse que eu era perfeita, mas que o fim havia chegado. Ah, meu amor, quando disse que eu era perfeita, eu queria ter te abraçado e te pedido para te esperar atrás das cortinas... Mas sabia bem que você não aceitaria. Você gosta do sentimento exposto, da carne exposta, dos beijos expostos e eu não seria perfeita atrás das cortinas porque não era ali que você achava que eu deveria ficar. O meu lugar era outro espetáculo, então? Era aquilo que você dizia sem dizer. Perdoe-me se falhei, se não domei bem os leões ou se falhei nos trapézios, mas se eu falhei foi tentando acertar, se eu falhei foi tentando te impressionar. Você usou seu ilusionismo para me atrair pra perto e depois usou seu lado humano para me jogar para longe. Meu peito está ardendo sem você e ainda escuto suas chamadas, às vezes me pego dançando na ponta dos pés e sorrindo para o seu retrato: acredito que você fez magia e se petrificou na moldura para me observar todos os dias. Não direi adeus nunca.