terça-feira, 29 de novembro de 2011

Paris.


Mon amour, 

Cheguei agora em Paris e havia prometido que lhe escreveria assim que chegasse e sem exageros, é isto que eu estou fazendo. Nunca te entreguei carta alguma, mas já te escrevi milhares delas. Aquelas noites em que você dormia rápido demais, eu acendia o abajur e rabiscava palavras enquanto eu te olhava dormir. Nada demais, nada muito útil, bobagens apenas. Agora estou longe demais para me envergonhar por ter esse coração de menino, então vou te dizer: eu costumava me referir a você como um acidente. Mon accident. O acidente mais catastrófico de uma quinta-feira às três da tarde em que eu caminhava distraído pela rua. Não digo que você apareceu por acaso porque não acredito nessas bobagens, mas digo que você foi tudo que um acidente é: você foi a colisão, o sangue, a tragédia e a morte. A morte de quem eu não suportava mais chamar de "eu". Você foi o acidente que me tirou da minha vida e me abriu as portas de uma vida nova. Não estou exagerando.

O tempo aqui é agradável, bem do jeito que nós imaginamos. Eu me imaginava aqui contigo, mas sei que não você não pôde vir, eu compreendo apesar de achar que essa cama de casal é grande demais para mim. Mas eu não vou trazer mulher alguma pra cá, não se preocupe. Paris é a cidade do amor, não é? Ville de L'amour. (Ou seria Veneza? Desculpe, não sei mesmo). Mas se for mesmo a cidade do amor, quero dizer que é tudo bobagem. Seria se você estivesse aqui, mas agora a cidade do amor pra mim é São Paulo, mesmo com toda a fumaça e a intoxicação pela poluição... Porque é aí que você se esconde no nosso apartamento com seu gato, suas danças malucas e sua saia de hippie que você veste só para sentar na sacada e fazer pose. Por falar nisso, quando (e se) for responder essa carta, me mande uma foto sua vestida assim? Vou colocar aqui no criado mudo ao lado da miniatura da torre.

Não pense que eu queria ter vindo, se a escolha fosse minha, eu teria ficado. Espero que você saiba. Não pense que eu fugi por causa daquela nossa briga, mas coloque na sua cabeça avoada que eu vim a trabalho, apenas. Então, enquanto eu não estiver aí, vê se você se cuida. Come direito, não esquece de dar comida pro Tico, não esquece de colocar o lixo pra fora, não esquece de pensar em mim, não fica com medo quando chover demais, quando acabar a luz pega uma vela na última gaveta do seu armário da cozinha e acenda, saia com as suas amigas, não chore porque eu estou longe, dorme só do seu lado da cama e abraça meu travesseiro, vá à faculdade, pode me mandar e-mails falando mal da nossa vizinha e continue radiando essa beleza. Não tenho medo do que os outros caras vão pensar ao te olhar porque eu sei de nós. Eu acredito em nós.

Fica em paz, meu acidente. Mês que vem eu estou de volta. Enquanto você se colidir em mim, vou adorar estar sempre a um passo da morte, você sabe. Je t'aime tant.

Com carinho,
do teu.

domingo, 27 de novembro de 2011

Das tardes, das noites e das certezas.


Você devolveu a minha inspiração. A minha margarida já tinha sido despetalada por tantos mal-me-quer pelo caminho e exagero nas palavras, mas foi você quem me deu um buquê novo e perfumado — daqueles perfumes que me fazem fechar os olhos só para sentir direito. E agora nem preciso me dar ao trabalho de despetalar nada porque eu já sei que a última pétala — e todas as outras também — são de bem-me-quer.

Não me esforço para te dizer nada, nunca precisei pensar por mais de dois segundos para que saísse alguma coisa da ponta da caneta azul. Os papéis ficam aos montes jogados pelo quarto, sujos de café, borrados com lágrimas e ao contrário do que eu era acostumada, minhas mãos não doem, meu coração não dói e minha alma não dói quando eu cito seu nome. Fica em mim a todo instante a necessidade de te procurar com meus versos tortos, com minhas palavras mudas. Invento histórias sobre nós dois para saciar essa sede estranha dentro de mim e ninguém que lesse saberia dizer o que de fato aconteceu e o que foi só sonho ou miragem. Ninguém, nem mesmo nós. Já viajamos por esse mundo e você nem sabe. Já te levei comigo pra tantos lugares e você nem se lembra.

Eu me joguei nesse abismo, sim. Alguns disseram que era um erro pular de olhos fechados e de braços abertos dessa forma. Tentaram me segurar na borda, gritaram que a qualquer momento eu iria me destruir no chão, mas eu não liguei. Eu fechei os olhos e fui. Não acredito na minha capacidade de voar, mas acredito na sua capacidade de me fazer flutuar. Tal poder vem só de você e de ninguém mais. Eu fecho os olhos, estico os braços como se tivesse asas e abro um sorriso que não mostra meus dentes e é incrível, mas me sinto em outra atmosfera, sem gravidade alguma. Eu erro sempre e nós podemos estar errando. Mas se for isso mesmo, ao menos estamos errando juntos e saiba que esse erro tem sabor de acerto. E eu sei que quando eu estiver me sentindo fraca demais engolindo minhas lágrimas no escuro, eu vou te pedir pra continuar errando comigo. Você vai dizer que aceita?

São em tardes como a de hoje que eu me divido entre observar suas fotos ou pegar aquele papel no meio daquele livro que tem tanto o seu cheiro. E nesses momentos entra em ação o meu poder estranho de me mover sem sair do lugar. Antes que eu perceba, abro os olhos e te vejo deitado ao meu lado, ouço Cazuza baixinho ao fundo, você beija meus olhos e diz que dormi demais, fecho os olhos novamente enquanto suspiro e murmuro pra você não me soltar porque eu estou cansada demais. Abro os olhos de novo e me encontro parada com seu cheiro nas minhas mãos. Não da forma que eu gostaria, mas da forma que me é permitida.

São em noites como as de hoje — como as de sempre — que eu viro cometa querendo entrar na sua órbita. Viro luz querendo iluminar seu quarto. Viro palavras querendo entrar nas suas cartas. Repito que te-amo mesmo depois de desligar o telefone e sei que você ouve. A certeza é incerta e o futuro mais ainda, mas te querer dessa maneira é o suficiente, por enquanto. Te querer inteiro, te querer por perto e te querer sem medo. Você ganhou, amor: conseguiu me virar do avesso como ninguém jamais havia conseguido.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A morte de cada dia.

Eu morro todos os dias, amor. Morro e levo comigo toda a história suja e mal contada desse mundo. Morro naqueles instantes entre o ainda estar desperta e o fechar dos meus olhos no fim das noites. Não sei explicar como e nem porquê, mas o suspiro sai em forma de sopro forte e tudo acaba. Vou ao céu e vou ao inferno. Depende do dia, depende de mim. Eu morro todos os dias, amor. O sonho vira uma espécie de pesadelo, a agonia vira uma espécie de paz e eu não consigo explicar. Estico os braços pela cama te procurando e as lágrimas caem, mas uma voz me diz: você já morreu, menina, esquece isso. E eu quero gritar que não que eu preciso voltar que isso não está certo, mas me deixo levar. Saio pela janela enquanto continuo na cama. Vago por essas ruas que escondem segredos pelas noites e nunca sei o que procuro. Nunca sei se procuro uma saída ou uma maneira de me perder e não voltar.

Eu morro todos os dias, amor. Não há velório, não há nenhuma lágrima além das minhas, ninguém percebe que eu morri. Levo o silêncio, levo as flores, levo as dores, levo as alegrias e as trago de volta quando renasço. Trago de volta em cacos e tento reconstruí-las. Quando eu volto voando pela mesma janela que eu saí, trago nos bolsos milhares de planos e sonhos que se quebraram enquanto eu estava a caminho do céu. Jogo tudo na cama e me observo dormindo. Transpareço tanta paz e exalo tanta agonia. Abro os olhos como se tivesse sido despertada de um sono muito profundo. Apoio a mão esquerda com toda a força no meu peito e tento organizar os pensamentos. Morrer não é tão difícil quando comparo com essa forma de renascer tão aflita.

Renasço com palpitações, com dor de cabeça e com as vistas meio turvas, com os olhos meio marejados. Suspiro tentando manter a calma e observo minhas mãos trêmulas. Olho no relógio nesses momentos e o horário que eu renasço é sempre o mesmo: cinco-e-trinta-e-sete. Observo meus braços arrepiados e peço pra essa aflição ir embora. Lembro dos sonhos quebrados no meio do caminho e vasculho os cobertores enquanto resmungo: tenho certeza que foi aqui que eu os joguei agora a pouco. Mas não os acho. Não vejo nada, mas sinto os cacos fincando cada pedacinho de mim. Choro um pouco e me sinto fracassada por não ter conseguido voltar inteira. Começo a tentar mentalizar coisas boas para estar completamente viva quando o Sol nascer e o que ronda minha mente são as cores do dia. O peito desacelera e eu respiro fundo.

Eu morro todos os dias, amor, mas sempre renasço com mais sede de vida.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Medo de escuro.

Não queria te perder de vista nesses momentos cruciais. Momentos que valem muito. Queria estar por perto quando o dia começasse só para te dar a certeza da grandiosidade da manhã. Não, eu não penso assim sempre, mas eu pensaria se acordasse ao teu lado e por pensar nessa possibilidade, acabo otimista com o nascer do Sol de todos os dias. Queria poder te oferecer mais do que minhas palavras. Queria te oferecer tudo que já é seu por inteiro, apesar de você não ter em mãos — ainda. Queria que aquele meu presente fosse mais do que algumas canções gravadas. Apesar de que as canções te contam em meio a instrumentos e vozes que eu sou sua. Ouça bem cada uma delas enquanto eu não posso te olhar nos olhos pra te dizer isso.

Meu coração fica pequenininho quando penso na imensidão de tudo isso. Quando penso na vontade de te segurar firme e falar que você merece ser muito feliz — "não só hoje, mas todos os dias". Quando penso na sua vida aí toda emaranhada com a minha vida do lado de cá. O coração não fica miúdo de agonia, não, fica miúdo por ser pequeno demais pra essa mistura absurda de sentimentos e sensações. Sensações e vontades. Vontades imensas que nem cabem em mim e tenho que recorrer à fantasias. Nem os sonhos me satisfazem mais porque, às vezes, você insiste em fugir de mim quando fecho os olhos. Mas quando acordo você volta  em pensamentos e sorrio meio abobada.

Dias como hoje. Dias que valem tanto só me dão mais vontade de te olhar. A imaginação falha em alguns momentos e em momentos em que você deve estar tão feliz, eu só queria observar essa felicidade. Não precisaria nem que você me visse. Eu poderia ficar escondida pelos cantos, te olhando atrás da fechadura, te olhando pela fresta da porta, te olhando por cima do muro ou de cima da árvore. Não digo que não queria estar contigo, queria sim. Mas só a sua presença seria o suficiente, acho que é isso. E depois de te observar o dia todo, eu poderia aparecer à noite. Não em sonhos, não em pensamentos. Em carne e osso. Deitada ao seu lado e contando de como eu te observei quieta sem que você me visse. De como eu fiquei feliz só pela sua felicidade.

O que eu quero dizer com tudo isso é: aproveite seu dia e faça com que todos os dias sejam seus, mesmo que não haja nenhuma data significativa. Fique feliz o tempo todo se possível. Não estarei escondida atrás de nenhuma porta te observando porque não será possível, mas eu estarei aí. De alguma forma. De qualquer forma. De todas as formas. Eu tenho medo de escuro, mas sempre apago as luzes só para te ver melhor.

domingo, 20 de novembro de 2011

"Como é que eu troco de canal?"

Esses dias são raros, mas eles existem. E corroem. A cabeça lateja tanto que é preciso fechar os olhos pra não chorar. Para não chorar pela dor de cabeça? Não, não só por isso, por tudo. Alguns diriam que isso é drama de adolescente que não tem do que reclamar, outros diriam que compreendem e se sentem da mesma forma, eu não digo nada. Nadinha. Silêncio profundo que enche o sábado, o domingo e mais ainda as segundas. Vai dando uma moleza inexplicável, uma preguiça de tudo e uma vontade de pegar a escada da dispensa, colocar na frente do guarda-roupa e tirar do maleiro aquela mala antiga empoeirada, soprá-la e colocar ali todas as roupas e todos os sonhos e ir embora. Sem rumo, sem ninguém. Mas nada é feito, apenas me ajeito no sofá e deixo as lágrimas caírem. Eu poderia ligar para uma amiga e pedir companhia, poderia chamar minha irmã e pedir para ela me contar uma história, poderia mandar mensagens no celular de tanta gente, poderia ir ao shopping... Ah, eu poderia muitas coisas, mas eu não faço nada disso porque eu sei de mim. Eu sei que há males dentro de mim que só a solidão cura. Só me resta apagar a luz e ir dormir. 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pra cuidar de nós dois.

Eu te deixei sozinho porque você pediu. Fechei a porta e andei com as pernas bambas até o meu carro. Queria ter ficado e segurado um pouco a sua mão, mas o que me traria segurança poderia te trazer angústia e naquele momento, eu só pensava que-se-dane-a-minha-segurança porque era a sua que me importava. Um pensamento um pouco tolo talvez, eu sei bem. O seu silêncio está me ferindo sim, amor, mas espero que ele te ajude a organizar seus pensamentos e quando você se sentir preparado, venha e me diga o que atormenta. Meus ouvidos estão prontos para te ouvir e eu não vou dizer que é drama nem mesmo ignorarei palavra alguma, vou te ouvir e te darei mil e uma razões para que você não se sinta assim.

Você não sabe, mas desde a primeira vez que eu te vi, eu te assisto. Assisto de uma forma só minha. De uma forma meio errada, meio aflita, sinto urgência por você. Eu sempre te observo dormir, mas você não sabe disso. Sempre te vejo aproveitando as noites em que eu não estou, te faço cafuné quando o sono está demorando a chegar, seguro sua mão quando você sai para passear com o cachorro, te dou beijo de bom dia, bagunço seu cabelo quando você sai do banho. Mas quando você está assim, todo tristonho, eu não consigo fazer nada disso. Nem ouso. Tenho medo de te assustar com essa minha vontade de estar sempre aos arredores, tenho medo de fazer você se cansar de mim ou fugir pra bem longe e aí eu só deito em sua cama te observando. Observo quieta. Observo calada. Só observo. Tento te dar toda a força que eu guardo dentro de mim, tento te aninhar nos meus braços, tento sussurrar que você me tem por perto e que eu não quero te ver dessa forma, mas você não me ouve e não me quer por perto. E novamente, eu te respeito e vôo pra fora da sua janela. Mas continuo parada do lado de fora sem que você me veja.

Fico só esperando algum sinal seu que demonstre que você quer me deixar entrar de novo. Só basta um sinal e eu ressurgirei ao seu lado pra cuidar de nós dois.

Chuva e tinta azul.

1.

"Alô?", ela atendeu desinteressada e segurou o telefone entre o ombro e a bochecha lambuzada de tinta. Estava pintando um quadro novo e odiava ser interrompida, mas nunca deixava de atender ao telefone, mesmo sabendo que nunca era alguém importante. O telefone continuou mudo e ela mordiscava o lábio inferior enquanto fazia tracejados fortes na face de um rosto. Ouviu um suspiro. "Olha, não estou afim de trotes, estou ocupada demais nesse momento. Então, até mais...", ela sussurrou enquanto soltava o pincel na mesa mais próxima.
"Desculpa!", aquela voz que ela conhecia tão bem sussurrou e pigarreou antes de continuar, "Eu não queria te atrapalhar, você está pintando?", ela segurou o telefone firme com a mão esquerda e suspirou silenciosamente enquanto revirava os olhos e limpava a mão direita no avental.
"Eduardo?", ela perguntou com a voz áspera.
"Sim... Não queria atrapalhar, você está pintando?", ele foi insistente na pergunta.
"Estou, preciso de dinheiro, não é mesmo?", acidez em excesso para uma garota tão linda como ela. Morena, traços delicados, olhos cor-de-mel, ondas magníficas no cabelo, leveza no andar.
"Todos precisamos, Beatriz...", ele sussurrou quase que em forma de suspiro e se segurou para não dizer tudo de uma vez.
"Mas e você? O que você quer?", a armadura era forte demais, demais, demais.
"Queria conversar, mas já vi que agora não dá. Quer tomar um café mais tarde?", ele sorriu do outro lado enquanto desabotoava o colar da sua blusa. As pessoas do trabalho se assustariam se percebessem como ele estava suando.
"Pode ser...", ela respondeu com desdém para terminar logo com aquilo.
"Então, passo no seu ateliê as três, tudo bem?"
"Ok, até mais!", ela não esperou resposta e desligou. Colocou o telefone ao lado do pincel jogado e passou suas mãos — ainda um pouco sujas — pelo rosto e sentiu as lágrimas borbulharem pelos olhos. Eduardo era o amor-eterno que ela perdera antes do fim da eternidade.


2.

Eduardo desceu do carro olhando para os pés. O porte físico dele era do tipo de rapaz que está sempre seguro de si, mas naquele momento ele era apenas um moço cabisbaixo contando seus próprios passos. 23 passos até chegar na porta do ateliê de Beatriz com três minutos de atecedência. Estalou todos os dedos enquanto encarava o interfone e passou continuamente a mão pela barba enquanto forçava caretas para si mesmo. Já haviam se passado os três minutos e ele tomou coragem.
Apertou uma vez.
Esperou alguns segundos e olhou ao redor.
Apertou duas vezes.
Esperou alguns segundos e olhou ao redor.
Apertou três vezes.
Colocou as mãos no bolso da calça e chutou uma pedrinha que estava do lado de seu pé direito. A cabeça começou a latejar e ele semicerrou os olhos enquanto dava alguns passos para trás e olhava as janelas do ateliê: todas fechadas. Antes de retirar as mãos do bolso, pegou um guardanapo que ali se encontrava e uma caneta.
"Não tenha medo de mim, Beatriz. Eu quero conversar, eu preciso conversar. Amanhã vou te ligar novamente, espero que você não fuja como fez hoje. Um beijo, Eduardo.", ele escreveu com aquela letra um pouco torta e jogou embaixo da porta. Deu uma última olhadela e contou 23 passos de volta ao carro. Sentou-se no banco, suspirou e deu a partida. Mas ele não sabia que Beatriz estava encostada do outro lado da porta enquanto ele achava que ela tinha ido embora. Ela estava lá, parada e quando ele jogou o guardanapo, ela o pegou no mesmo momento. Cheirou o papel, sentiu o peito disparar e leu mil vezes as palavras escritas por ele. Beatriz estava amedrontada... Ela o amava demais e tinha medo dele voltar, bagunçá-la completamente e partir novamente.


3.

Seis horas da manhã. Eduardo com seu cigarro estava encostado na porta do ateliê de Beatriz. Ele sabia que ali ela não tinha dormido e que a qualquer momento ela chegaria. Ele não se importava em chegar um pouco atrasado no trabalho, ele só precisava olhá-la de perto, sentir aquele cheiro de jasmim e dizer o que estava entalado. Viu um carro parar ao longe, mas não viu a expressão da menina que estava dentro do carro. O pânico tomou conta dela enquanto ela desligava o motor porque naquele momento não dava para fugir. Ele sentiu o peito acelerar e ela sentiu como se fosse desmaiar antes de pisar no asfalto. Mas ambos se controlaram. Beatriz passou a mão pelos cabelos e mordeu seu lábio inferior enquanto abriu a porta e descia graciosamente com aquele ar de "não-ligo" e Eduardo jogou seu cigarro no chão e pisou no mesmo enquanto roçava a mão na barba e tossia. Ela foi se aproximando e ele foi se esquecendo do seu discurso previamente ensaiado em frente aos espelhos de todos os locais. Palavras sumindo feito fumaça enquanto ela se aproximava mais e mais. Palavras inexistentes quando ela estava há um passo de distância...
"Bom dia, senhor! Como posso ajudá-lo?", ela disse num tom leve e divertido levantando a sobrancelha. Não podia transparecer a vontade de chorar só por achá-lo tão lindo e nem mesmo a vontade de correr pra bem longe dali. Ela tinha que transparecer a paz que ela não estava sentindo, a paz que era impossível sentir enquanto ele estivesse nos arredores.
"Eu tenho uma hora marcada pra falar com a dona desse ateliê. É você?", ele entrou no jogo, mas queria mesmo era pegar seu coração e tacá-lo contra alguma parede só para arrancar aquela palpitação absurda de si mesmo.
"Ah, sim, claro...", ela sorriu sem mostrar os dentes e retirou as chaves do bolso da calça. Ele deu licença para ela passar e ela destrancou a porta.


4.

Beatriz foi preparar um café para os dois. Sabia bem como ele queria: um cubo de açúcar, apenas. Enquanto estava de costas, começou a observar a cidade pela grande janela e pensou o que iria ouvir da boca dele. Eduardo estava sentado no sofá do outro lado do espaço e observava calmamente enquanto batucava os joelhos com as pontas dos dedos. Ela pegou as duas xícaras e andou vagarosamente até o sofá. Sentou-se ao lado dele e entregou-lhe a xícara da mão esquerda: a mais amarga. As nuvens do lado de fora começaram a se acizentar e ele sorriu dando uma golada no café.
"Acertou no açúcar...", ele sussurrou antes de colocar a xícara na mesa de centro. Passou as mãos pelo jeans e suspirou, olhando profundamente para ela. Um trovão assustou ambos e ele olhou para a janela. "Vai chover..."
"Vamos direto ao ponto, por favor!", ela disse quase que em um tom de súplica e ele sentiu a dor daquelas palavras.
"Pois então... Eu preciso falar contigo, Beatriz. Não fala nada não, por favor.", ele abaixou os olhos e olhou para suas pernas inquietas. Ela acompanhou o olhar dele e sorriu levemente quando viu o nervosismo do rapaz. "No último mês, eu tenho pensado muito, sabe? Ando pensando nos meus erros e vi que fui um tolo por ter ido embora e por ter te deixado apenas um bilhete. Você ainda me procurou por dias para me explicar o mal entendido e eu me agarrei ao meu orgulho. Eu devia ter voltado assim que você me explicou a situação toda, mas eu preferi te deixar. Mas aí, Beatriz, esses dias eu estava andando na rua do seu ateliê e comecei a pensar em nós dois, pensei feito um louco e pensei: por que eu larguei essa mulher? E bem quando eu comecei a pensar isso, a chuva começou a cair e eu vi você pela janela com um pincel de tinta azul na mão. Nessa hora, eu tive certeza que aquela eternidade que eu tanto dizia que existia entre nós dois, existe realmente. Não era nosso fim, Beatriz, me diz que você acredita nisso também. Eu preciso ouvir isso de você...", ele se aconchegou melhor no sofá e pegou as mãos finas dela.
"Eduardo...", ela fechou os olhos e engoliu em seco. "Eduardo..."
"Olha, desculpa, não quero resposta nenhuma agora. Eu só precisava te deixar saber disso. Foi a chuva e a tinta azul, dois motivos tão banais que me fizeram ter certeza que você é a mulher da minha vida.", ele se levantou e sussurrou: "Eu te ligo e você me diz alguma coisa ou não me diga nada, se você achar melhor. Eu entenderei.", ele começou a andar e ela se levantou rapidamente segurando seu braço. Outro trovão altíssimo foi escutado e a chuva começou a cair.
"Acho que a chuva quer que você fique...", ela sorriu levemente e o puxou pelo braço. "Eu sempre soube da nossa eternidade, só achava que você estava cego demais para reparar nisso.", ela finalizou antes de se deixar chover sobre ele.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A janela e o café.


O fim da tarde chegou com essa vontade de me aconchegar na cama de maneira que eu conseguisse olhar pela janela do quarto. Observei calmamente a mudança gradativa no tom de cor do céu e o vento que invadia a janela acompanhava a minha respiração. Coloquei Los Hermanos para tocar baixinho e eles repetiam que se-é-preu-te-ver-então-deixa-eu-dormir e eu sorri tristonha. Tristonha, mas serena. Minha mãe me perguntou se eu estava triste e eu fiquei em silêncio. O cheiro daquele café que ela faz antes das seis começou a me invadir as narinas e eu tive certeza de que não estava triste. Não é tristeza não, mãe, é só um cado de angústia com amor demais. Amor pelo que, filha? Deixa quieto, mãe, esquece. Angústia pelo que, filha? Nada não, o café está pronto? Peguei minha xícara em silêncio e voltei pro meu quarto. Aspirei aquela fumacinha e sorri. Encostei a cabeça na telinha que protege a janela e beberiquei um gole. Depois dois. Los Hermanos ainda tocava, só que agora falavam algo do tipo: "Alto aqui do sétimo andar / Longe, eu via você" e eu me assustei quando percebi a semelhança da cena da música com a minha cena, cantarolei sorrindo: alto-aqui-do-décimo-segundo-andar. E aí eu consegui imaginar direitinho você chegando lá embaixo, atravessando a rua, olhando pra cima pra ver se eu estava na janela, falando oi para o meu porteiro, o interfone tocando, você subindo os doze andares de elevador e eu indo até lá na porta, te abraçando, sentindo seu perfume, te beijando calmamente na bochecha porque minha mãe estaria te olhando, te oferecendo um café, te dando uma xícara, te pegando pelos dedos, te levando pro meu quarto e sentando ao seu lado na minha cama, observando a janela em silêncio, eu encostando minha cabeça no seu ombro, você fazendo um carinho leve na minha coxa e eu te olhando pelo canto do olho, você sorrindo pra mim, você segurando meu queixo e me fazendo olhar pra você, você me dando um beijo, você colocando as nossas xícaras na mesa, você me contando do seu dia para depois me beijar mais um pouco. Chacoalhei a cabeça e vi que meu café tinha acabado. Suspirei fundo e saí da janela.