quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A alma que queria partir.

O diagnóstico havia sido feito pelo melhor médico da cidade. Ele passara aproximadamente vinte noites acordado com os olhos bem abertos enquanto pensava na sua paciente e depois disso, a examinou mais oito vezes para ter certeza daquele caso raro. O único no mundo, quiçá. Como dar aquela notícia tão absurda para a família? Como explicar com palavras sensatas o que se passava com a pobre moça? Quem a olhasse nos olhos, talvez percebesse que algo estava errado, mas ninguém julgaria se tratar de algo tão grave. Quem a visse andando na rua achariam que tudo estava bem ou que ela estava simplesmente passando por um dia ruim. Ninguém — nem mesmo ela — sabia o que de fato lhe acontecia e lhe atormentava.

O doutor, então, depois de muito pensar trancado em sua sala, chamou a família e a moça. Chamou-os pra dentro e pediu que se sentassem. A mãe, um pouco trêmula, sentou segurando sua bolsa com as duas mãos firmes. O pai com um olhar bastante distante, sentou-se ao lado da mulher e repousou sua mão no ombro dela. Já a paciente sentou-se rapidamente e encarou o médico com aquelas pupilas dilatadas, aqueles olhos azuis amendoados e aquelas lágrimas acumuladas nas pontas dos cílios. E por fim, o namorado permaneceu em pé atrás dela com suas duas mãos sobre seus ombros. O médico puxou o ar enquanto aqueles oito pares de olhos o encaravam de maneira angustiante, ele mediu as palavras mais quinhentas vezes e disse:

— Pois então... — Outro suspiro foi arrancado de seus lábios.
— O que ela tem, doutor? Diz logo, não me aguento mais nessa agonia. — A mãe choramingou.
— Não sei explicar bem, não é nada físico. — Deu-lhes um sorriso amarelo e prosseguiu. — E não é nada psicológico que remédios possam curar ou que terapias possam ajudar. É algo mais profundo. — O papo estranho começara, mas ele teria que ir até o fim. — O problema está na alma da nossa pobrezinha. 
— Como assim na minha alma? — Ela levou sua mão até seu ombro e tocou a mão do namorado que estremeceu com a sensação de que um bloco de gelo o havia tocado. — Com todo respeito, doutor, mas quem o senhor acha que é para julgar minha alma?
— Não sou ninguém, garotinha. Mas eu sei. Eu sei e creio que você também sabe do que estou falando. — Ele fixou seus olhos nos dela e ela desviou o olhar para deixar que uma lágrima escorresse. Ele prosseguiu olhando para os pais. — Não há cura e nunca haverá, cuidem dela como se fosse seu último dia porque nunca saberemos quando realmente será. — O silêncio prevaleceu até todos decidirem se retirar da sala do médico maluco.

Rude. A menina pensava e repitia mil vezes em sua mente o quanto aquele doutor era rude para falar daquela maneira. O namorado lhe entrelaçara a mão no momento em que saíram do consultório e não ousava soltar. Os pais foram o caminho de volta para casa discutindo o que, afinal, o médico queria dizer com toda aquela baboseira. Mas ela, ela sabia bem do que ele dizia. Ela carregava na alma o peso no mundo, carregava nos ombros o que já não lhe cabia mais no peito e carregava no fundo dos olhos o que a vida havia lhe dado. Era aquela a verdade. Qualquer um que realmente reparasse nela, saberia que ela era uma joia rara de preço inestimável, mas que não adiantaria lutarem para proteger-lhe da solidão porque a solidão era sua melhor companhia. Ela fugia de todos para conseguir botar tantos pensamentos em ordem. Ela não conseguia devorar os sentimentos pelas bordas: ou ela pulava de ponta dos penhascos com os quais se deparava ou ela não seria ela. Ela precisava da imensidão e quando não tinha o mar ou o céu, recorria aos seus sentimentos. Era aquela a verdade.

Ao perceber que a namorada não havia dito uma palavra sequer desde que saíram do consultório, o rapaz de olhar ameno e lábios finos, resolveu chamar-lhe de volta para a realidade enquanto entravam no quarto dela:

— O que ele falou que te incomodou tanto? — O jovem foi direto.
— Ele me expôs, não suporto que façam isso comigo. Como ele descobriu? — Ela tinha os lábios trêmulos e afundou a cabeça na curva do pescoço do garoto.
— Como ele descobriu o quê? Por favor, me fala. — A angústia dela estava se passando para ele que não pensou duas vezes antes de começar a afagar os cabelos dela.
— Eu estou a beira da morte, amor. — Ela sussurrou no seu ouvido e enxarcou a bochecha de ambos com suas lágrimas cristalinas.
— Não está! Não está... O médico já disse que você não tem nada físico e muito menos psicológico. O que ele quis dizer com aquele lance de alma é tudo invenção, tudo invenção. — Desesperado e desamparado ele deixou um ou duas lágrimas caírem também.
— Não, não. Você não entendeu. Eu estou a todo momento a beira da morte, mas dessa vez acho que não escapo. — Ela pousou o dedo indicador sobre o lábio deles e prosseguiu... — Não diz nada. Quer dizer, diz sim, canta pra mim aquela música que fala da escuridão...
Meu amor, um dia você irá morrer, mas eu vou estar logo atrás... Eu vou seguir você até a escuridão*. — Ele cantou meio chorando meio sussurrando meio desesperado enquanto embalava a menina num abraço. As forças dela para soltar um suspiro forte eram escassas e só lhe restou soprar de leve enquanto sentia os braços do garoto ao seu redor. Ele a soltou um pouco para olhar dentro dos seus olhos e logo entendeu o que ela havia falado, voltando a abraçá-la em seguida e repetindo mil vezes sem pensar. — Eu vou seguir você até a escuridão...*


*Trecho da tradução da música "I will follow you into the dark" da banda Death Cab For Cutie.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Tradução.

Errei ao supor. Eu supunha que te conhecia por inteiro, supunha me conhecer inteiramente e supunha conhecer a imensidão desse sentimento. Errei de maneira inigualável quando eu sussurrei no meio da noite, depois de uma dose ou duas de bebida, que eu sabia onde isso iria parar. Eu nunca soube, amor. Nunca soube e nem sei ainda. Eu não te conheço por inteiro, mas cada dia que te descubro só aumenta a vontade de afundar meus dedos no seu cabelo. Eu não me conheço inteiramente e você também vê só a ponta desse iceberg que sou, mas vou me descobrindo aos poucos e vou me mostrando com calma para não te assustar, não quero tirar de você a vontade de me aninhar nos seus braços. E onde já se viu? Eu deduzia que em tal dia em tal hora, o sentimento pararia de crescer e que nos manteríamos assim, plenos e amenos. Somos qualquer coisa, menos amenos. Nunca preciso fazer nada e ainda assim, sinto meu amor crescendo todos os dias. Não há suposição válida para nós dois. Nós só somos.

Estava cansada de tantas máscaras, não haviam mais opções de disfarce, mas você veio me salvar. Joguei todas as máscaras debaixo da cama, varri toda a poeira do quarto e abri a janela para o vento trazer seu cheiro. E seu cheiro chegou, invadiu a casa toda e pareço um pouco desnorteada enquanto fico andando do quarto até a cozinha com os olhos fechados e um sorriso no rosto. Vou até a janela com passos tímidos e te chamo baixinho enquanto te procuro pelas nuvens ou entre os carros que correm lá embaixo. O vizinho do prédio da frente já nem sabe direito se eu tenho uma espécie de amigo imaginário ou se eu gosto de falar sozinha, mas ele nem imagina que não é nem um e nem outro. Eu gosto de conversar com você desse jeito, mesmo em silêncio e mesmo sem você me ouvir, eu estou a todo momento te sussurrando meus segredos, meus anseios e meu amor — que já não cabe em mim mais.

No meio das noites, às vezes tão quentes e às vezes tão frias, eu não me importo de acordar com a visão embaçada e fechar os olhos logo em seguida só para ouvir sua voz. Não me importo de chorar baixinho quando eu percebo que amor maior não há. Não me importo de suspirar em meio a silêncios e te falar, meio estremecida, que eu nunca amei assim. Saímos pelas noites separados, mas os dois sabem muito bem onde querem estar no final. Eu sou apaixonada por você e você é apaixonado por mim, mas essa não é a parte mais mágica. A magia toda se envolve ao redor do fato de que o amor está apaixonado por nós: encontrou seu lugar e agora tem certo conforto por estar, finalmente, alojado em nós dois. Se o amor se traduzisse em gestos, não tenho dúvidas que seria qualquer um que envolvesse suas mãos nas minhas, sua boca na minha e seu corpo no meu. Se o amor se traduzisse em algum gosto, não tenho dúvidas que seria o gosto da sua saliva misturada com a minha. E se o amor se traduzisse em palavras, não tenho dúvidas que seriam apenas duas: meu nome grudado no seu.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A menina das asas quebradas.

Ela se manteve parada diante do espelho com certo pavor ao se encarar diretamente. Mais um dia estava começando normalmente até ela se olhar no espelho. Não podia acreditar naquele defeito inaceitável. Não podia se encarar e nem suportaria os olhares que lhe lançariam. As lágrimas desciam pelas bochechas rosadas, pela pele de porcelana enquanto ela se virava de costas para o espelho. O que falariam dela? O que falariam para ela? Erros assim são imperdoáveis, mas ela nem lembra onde havia errado afinal. Vestiu seu melhor sorriso e saiu. Saiu sem saber direito aonde ir, não iria para os lugares de sempre, mas também não tinha outros lugares para ir.

Tentou esconder suas falhas, mas em vão. Enquanto ela caminhava todos na rua a encaravam abismados. Como aquela menina tinha perdido aquele pedaço de asa? Nem ela saberia dizer. Acordara daquela forma e não conseguia se perdoar por ter deixado escapar um pedaço tão grande de si mesma. Ela estava andando meio cambaleando para a esquerda porque a asa deste lado pesava mais que a outra. Queria mandar todos calarem seus pensamentos enquanto ela caminhava cabisbaixa. Queria encontrar um par de asas novas ou qualquer consolo, mas era impossível no meio de todos aqueles outros perfeitos e completos.

Ela continuou andando em frente e passou a ignorar os olhares julgadores. Ela já estava se odiando o suficiente para ter que aguentar os julgamentos dos outros. Avistou, finalmente, um banco vazio e sem ninguém ao redor. Atravessou a rua sem olhar para os lados e se sentou. Suspirou com um misto de agonia e alívio enquanto torcia o pescoço para observar suas asas. "Pobrezinhas...", ela balbuciou tremendo os lábios vermelhos. "O que foi que eu fiz conosco?", ela se perguntou deixando as lágrimas escorrerem novamente.

Quando conseguiu parar de chorar e ficou estática no banco, lançou seu olhar para o outro lado da rua. Não havia ninguém além de um rapaz. Um rapaz alto de sorriso torto, cabelos perfeitos e asas quebradas. Ele manteve suas mãos no bolso enquanto olhava para a menina sorrindo. Pensou em chamá-la, mas decidiu que seria melhor ir até ela. Sacudiu os ombros e atravessou a rua sem olhar para os lados também. Apontou para o espaço vazio do lado esquerdo do banco como quem perguntasse se podia se sentar e a menina apenas fez que sim com a cabeça enquanto passava as mãos pelos olhos. Ficaram sentados um do lado do outro em silêncio por um longo tempo. Depois de longos minutos, ele falou:

"Doeu?", ele apontou para as asas dela.
"Perder aquele pedaço?", ela perguntou molhando os lábios com a língua logo em seguida. Ele assentiu com a cabeça e ela prosseguiu. "Não, nem me lembro como perdi... E o seu?".
"Doeu e doeu muito...", ele forçou uma careta e se remexeu calmamemente.
"Sinto muito", foi tudo que ela soube dizer. Não queria entrar em detalhes, não se achava nesse direito.
"Está tudo bem.", ele também não sabia muito bem o que falar. "Ser assim é normal.", ele procurou as palavras e quando as achou, soltou-as de uma vez. "Foi um choque para mim quando eu me vi sem as minhas também, mas eu sabia que o que viria a seguir era grandioso. Pelo menos era o que diziam as lendas.", ele sorriu encostando na bochecha dela.
"O que veio a seguir? Quais lendas?", um olhar de dúvida foi lançado.
"A lenda das asas quebradas. Como nunca ouviu?", agora fora a vez dele de lançar para ela um olhar de dúvida. "Dizem que quando suas asas se quebram, você tem a chance de se camuflar e esconder sua imperfeição. Desde que você proteja uma pessoa o máximo que puder até que o inevitável aconteça e as asas dela se quebrem também.", ele suspirou e prosseguiu. "E dizem que depois os dois podem se reconstruir juntos.", ele fixou seus olhos verdes nos olhos mel dela.
"Quem você protegeu e por quê suas asas não estão reconstruídas?"
"Ora, não está claro? Eu protegi você. Há anos minhas asas se quebraram e eu escolhi te proteger. Não sei por qual razão, mas escolhi. E eu te protegi. Foi minha grande missão por anos e anos. Até que ontem, por um discuido meu, enquanto você dormia você perdeu um pedaço da suas asas. Eu me senti péssimo, mas fico mais aliviado que não tenha doído em você.", ele sorriu e ela o olhava boquiaberta. "Não me olhe assim. Foram os melhores anos da minha vida. Mas só não foram tão bons quanto os que estão por vir.", ele ainda mantinha seu sorriso nos lábios.
"Agora o que vai acontecer?", ela queria fazer milhares de perguntas, mas se sentia hipnotizada por aquele que ela poderia chamar de anjo.
"Agora nós vamos nos reconstruir, menina.", ele não se conteve e entrelaçou sua mão com a dela. "Céus, como eu queria fazer isso...", ele pensou em silêncio e estremeceu.
"Como?", ela sentiu o tremor dele e tremeu em resposta.
"Venha.", ele depositou um beijo gentil nos lábios dela e se pôs de pé.

Ele a puxou pela mão e atravessaram a rua. Sem olhar para os lados.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Sem saída.

Não há mais salvação. As chances de retornar e pegar o caminho de volta se esgotaram. As chances de poder fechar os olhos sem te enxergar já se esgotaram. Até certo ponto, eu poderia fugir se eu quisesse. Eu não quis. Mas eu poderia sim, ter acenado de leve e corrido pra longe. Eu poderia, mas não quis porque eu tenho certo gosto pelo que me amedronta e você me amedrontou, logo de cara. Uma espécie de raio me atacou desde o primeiro momento e isso é inegável. Você derrubou as portas que eu havia trancado à sete chaves e nem me pediu permissão. Eu te olhava abismada e boquiaberta, mas você foi me invadindo mesmo assim.

Havia um impulso me empurrando para a saída de emergência, mas eu fui ficando, fui observando tudo cuidadosamente. Mas quando eu me descuidei por dois segundos só para te admirar no escuro, eu vi que era tarde demais. E algo dentro de mim murmurou que era pra esse rumo que meu destino apontava e que já não tinha volta. Saída de emergência? Não havia nenhuma mais e eu não queria que houvesse. Eu me desarmei para não te assustar, retirei dos bolsos aqueles papéis que ditavam regras e soube que nada daquilo serviria para nós. Somos únicos, eu tenho certeza. Não adianta ninguém vir sussurrar o que eu deveria fazer porque ninguém está nas nossas peles. Só eu e você sabemos de nós.

Não há mapa que nos ajude a chegar no tão sonhado final feliz, ninguém pode nos guiar. Por isso que eu seguro na sua mão dessa maneira, por isso que eu olho tão fixamente pra você, por isso que eu tento tanto te cuidar. Nós somos o destino e a viagem e eu não quero que você se perca, não suportaria te perder. Sou um pouco descuidada e sei bem que tropeçarei muito, mas sei que da mesma forma terei que te ajudar quando for sua vez de tropeçar. Eu nunca tive tanta disposição para acreditar em uma história como eu tenho para acreditar na nossa.

Mesmo com os olhos vermelhos depois de tanto chorar no telefone, eu sei bem da felicidade que só você me causa. Não pense que minhas lágrimas vão me afogar porque não vão. Mesmo murmurando neuroses e me mostrando frágil, eu sei da nossa força. Não pense que meus medos vão nos destruir porque não vão. Eu sei que se eu fecho os olhos, você vem. Eu sei que enquanto eu não puder ficar brincando com os dedos no seu ombro, eu tenho a sua voz. Não pense que com nossos silêncios eu vou deixar de te ouvir, porque eu não vou. Eu sei que enquanto eu não posso te cuidar da forma certa, eu posso te cuidar das minhas maneiras tortas. Você me salvou e eu não me importo que não tenha mais volta. Eu não quero outros caminhos porque neles eu não existiria completamente. Eu não quero outra vida porque sem você já não seria certo chamar de vida. Não pense que nossas tentativas de nos alcançarmos são inúteis porque eu tenho certeza que não são.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Foi só a música.

A verdade é que ela já nem se lembrava dele, não havia razão para lembrar. Ele também não se lembrava dela porque já não via mais sentido em manter sua vida fixada num passado muito distante. Eles não lembravam um do outro. Mas quando ela deitava a cabeça no travesseiro, ela sussurrava baixinho cadê-você e ele, do outro lado da cidade, rolava pela cama sentindo falta de um corpo para abraçar. Um corpo não, o corpo. O corpo dela. Mas eles não se davam conta disso e seguiam sempre em frente sem olhar para os lados, sem olhar por cima dos ombros, sem demonstrar qualquer sinal de remorso pelo fim.

Naquele momento, ela se debruçou sobre o parapeito da janela e fechou os olhos enquanto ele rondava a cidade em seu carro. Ela se manteve daquela forma por minutos ou horas, talvez, não saberia dizer enquanto ele se manteve rondando a cidade por minutos ou horas, quem sabe? Ela ajeitou seu vestido e voltou seus olhos para dentro do apartamento e a visão ficou um pouco embaraçada com aquela mistura instantânea de claridade e escuridão. Ele parou em um posto de gasolina só por parar, não fez nada além de esticar os braços, retirar os óculos escuros e sentir a visão um pouco embaraçada com aquela mistura instantânea de claridade e escuridão.

Ela arrumou sua cama, jogou água nas plantas, se olhou no espelho e se achou linda. Ele se olhou no vidro retrovisor do carro e se achou um lixo com aquela barba mal feita e aquelas olheiras. Ela precisava ligar o rádio para cantarolar enquanto arrumaria algo para comer. Ela ligou o rádio e começou a tocar aquela velha canção, como se chamava mesmo? E por falar em saudade, onde anda você? Ele precisava ligar o rádio para buscar algum consolo na voz de qualquer cantor. Ele ligou o rádio e estava tocando aquela velha canção, como se chamava mesmo? E por falar em paixão, em razão de viver, você bem que podia me aparecer.

Ela pensou em ir até o telefone, mas não. Ele procurou o celular nos bolsos da jaqueta, mas não. Mas sim. Achou. Discou. Ela ouviu o telefone tocar e pensou que coincidência grande, meu Deus, quem será? Abaixou o rádio e atendeu.

— Alô?
— Alô?
— Que coincidência, estava me lembrando de você.
— Mesmo? Pois eu também.
— Por quê?
— Por quê?
— Tocou uma música no rádio que me lembrou tanto você. Responda você agora.
— Isso que aconteceu comigo também. Que coincidência.
— Sim, que coincidência. Foi só a música?
— Não sei, foi só a música?
— Foi só a música.

Desligaram. Não havia sido apenas a música. As gargantas ficaram secas, os cigarros foram acesos, o céu ficou nublado instantaneamente, palavras permaneceram emboladas e Vinicius de Moraes continuou repetindo na mente de cada um: e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade. Onde. Anda. Você? 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Pelo vento.


Eu não te peço nada, fico quieta. De que adiantaria murmurar palavras que se embaralham pela minha cabeça? Dizem que os melhores pedidos são pedidos em silêncio. Reconheço e obedeço. Estalo todos os dez dedos das mãos e observo o relógio. Nem ele me aguenta mais e de pirraça decide transformar um minuto em uma hora. O coração implora por um pouco de silêncio, mas Chico Buarque canta e eu acompanho balbuciando: eu-te-vejo-sumir-por-aí. Entro no banho e com meu dedo vou até o vapor no box e desenho um coração miúdo. Tão miúdo que ninguém saberia dizer se era um coração ou um borrão qualquer de quem só apoiou a mão para ensaboar os pés. Enquanto as gotas encharcam meu rosto, eu mantenho meus olhos fechados e nem saberia dizer o que era lágrima e o que era água do chuveiro. Tudo se mistura. Tudo se embaralha. E com a minha visão embaçada, eu já não sei mais pra onde olhar. Você se mantêm no mesmo lugar, eu me mantenho em todos os outros onde você não se encontra. Por incrível que pareça, são nesses desencontros que eu te encontro. É quando você se perde que eu te acho. Somos frágeis demais e um descuido poderia nos quebrar em milhares de pedacinhos impossíveis de serem achados novamente. Cacos que se espalhariam embaixo da fresta da porta, que voariam pela janela, que se esconderiam embaixo dos sofás. Todos os dias eu sinto que não temos mais remédio, que não temos mais saída, que estamos além da definição do amor, que nos juntamos da forma certa, mas que eu te quero da forma errada. Dá vontade de te dizer que eu preciso te deixar viver e voltar quando você tiver certeza que eu serei seu último amor, mas eu só finjo que tem um cisco nos meus olhos com essa nossa tentativa meio torta de nos abraçarmos. Porque antes que eu diga qualquer coisa, você diz que um dia vai estar ao meu lado e ainda diz que vai estar pra sempre. O nó na garganta se afrouxa, a visão vai se normalizando. Reconheço que não sei amar na medida certa, eu só sei te amar desse jeito. Não sei te entregar pedacinhos de mim. Eu não te peço nada, mas eu quero tudo. Eu não posso quase nada, mas me jogo inteira pelo vento. Basta você me sentir. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Indizível.

Os fins das noites funcionam sempre da mesma forma. Eu fecho os olhos na sua frente e digo que quero dormir, fico encostada na cadeira de olhos fechados e você acredita realmente que eu só quero dormir, mas não passa pela sua cabeça que eu fecho os olhos para não chorar na sua frente. Falando assim, parece que todos os dias você me dá motivos para chorar, mas não é isso. Eu sinto vontade de chorar, mas não é de tristeza. É só pela presença do desconhecido, de algo que não tenho mais controle, algo que me controla, que regula cada pedaço mínimo do meu dia e do meu humor. Quando eu fecho os olhos, assim, pra segurar o choro, eu fico vagando pela minha cabeça buscando palavras, mas sempre desisto por ter medo de sussurrar bobagens demais em seus ouvidos. Eu me seguro por não saber como dizer. Aquele clichê de que certos sentimentos não se encaixam em palavras, se encaixou perfeitamente para mim. Para nós. Para nossa situação. Enquanto você dorme ou está longe de casa, eu permaneço com as luzes do quarto acesas e os olhos presos no teto. Olhos arregalados, parecendo olhos de crianças assustada. Enquanto as lágrimas se acumulam e fogem pelas minhas bochechas, eu sorrio. Tento organizar meus pensamentos nos papéis, mas não cabem mais. Palavra nenhuma diz o que eu quero dizer. Tento falar da minha saudade, do meu ciúme, do seu cheiro, da sua voz e fico rondando pelo mesmo ponto, pelo mesmo amontoado de palavras que sempre dizem o que eu já havia dito antes. O que será que é preciso, então, para que eu vá além dessa mesmice de todos os meus escritos? Como eu vou conseguir explicar o que estou sentindo sem bater sempre na mesma tecla? Eu digo que quero ficar contigo pra sempre e você diz que eu vou dar pra trás e eu só consigo fechar os olhos de novo e rezar para que o dia que você não vai me querer mais, esteja bem longe de nós. Reúno todas as minhas forças para tentar te dizer o que se passa na minha cabeça, mas sempre me calo. O discurso fica estagnado na minha cabeça, mas eu desisto enquanto suspiro. Solto as palavras como um sopro. Um sopro forte que tenta te alcançar — em vão. Eu já te disse tanto, tanto, mas não quero te assustar, não quero te cansar com tentativas de explicações bobas, não quero te ver disistir enquanto observa minhas estranhezas e por isso mesmo me calo. Só eu sei o que sinto. Só eu sei como é sentir falta de você nos momentos mais desnecessários, sentir falta enquanto você diz que vai ali por cinco minutinhos e sentir falta enquanto eu sei que você vai ficar bem sem mim. Só eu sei como é reler cada palavra buscando um novo detalhe importante. Só eu sei como é sentir seu cheiro andando pela rua. Só eu sei o que é sentir tanto ciúme por bobagens. Só eu sei porque eu tenho tanta certeza de que sou eu quem ama mais. Só eu me encolho na cama esperando você me abraçar a qualquer momento e me chamar de boba, dizer que tanto medo é desnecessário e que eu te tenho bem aqui. Só eu sei que nem eu mesma sei o que sinto. É indizível o que eu tenho pra te dizer.