segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Quer fugir comigo?

Um dia, eu bati na sua porta. Não foi assim tão simples, nem ao menos aconteceu. Mas me deixa terminar. Eu bati. Você se lembra do futuro? Porque eu me lembro bem. Eu cheguei com aquele monte de malas e joguei na sua calçada. Você não me esperava, mas minhas pernas me levaram até você. Eu já estava sem forças, sem fé, sem rumo, sem dinheiro, mas me enfiei em um ônibus e fui atrás de alguma sanidade. A sanidade que sempre coube a você me entregar, não que eu quisesse te dar alguma obrigação ou fazer seus ombros pesarem, mas você sempre teve a capacidade simples de injetar calmaria, força, sonhos e sanidade em mim. Uma dose mínima e eu me mantinha firme por um dia inteiro, por semanas até, talvez. E eu fui atrás dessa dose, dessa única dose.

Já não suportava o cheiro sufocante de cigarro pelos bares escuros, pelas avenidas sujas, pelas noite sem fim. Eu queria o cheiro de café, de cigarro e de sono vindo de você, misturados com aquele seu perfume. E fui até sua porta sem saber o que dizer. Com vontade de te beijar, afundar o nariz no seu pescoço e te sussurrar baixinho aquelas bobagens que você conhece bem. Fui até seu mundo querendo me infiltrar de vez na sua história. Querendo deixar de ser um borrão no seu livro e te ajudar a escrever cada mínima linha. Querendo te levar comigo e te entregar tudo que eu sempre jurei te entregar. Ainda não se lembrou desse nosso futuro? Eu me lembro tão bem, amor. Escuta o resto de olhos fechados que eu vou te ajudando a se lembrar.

Eu cheguei, bati na sua porta e te olhei por demorados minutos, não sei bem quantos, acho que te olhei enquanto você permitiu que eu te olhasse, até me fazer te abraçar ou te beijar ou algo assim. Você me levou para qualquer lugar e eu fiquei horas nervosa, sem saber soltar palavras com sentido, sem parar de rir apertando sua mão e sem ter coragem de te largar por um segundo que fosse. Com vontade de te apertar até o fim dos tempos, de apagar todas suas mágoas passadas e de perguntar baixinho qualquer coisa sem sentido para ouvir sua risada perto do meu ouvido. Mas eu não fiquei só na vontade não. Depois de algum tempo, eu perguntei por impulso: quer fugir comigo? Você estava soltando uma risada quando eu disse isso e ficou com um semblante sério no mesmo instante. Eu comecei a suar, meu coração disparou e você levantou uma sobrancelha. Aí eu tomei coragem e continuei:

— Quer fugir comigo? A gente pode pegar os meus trocados da poupança, eu tenho o cartão e tudo. Depois a gente se enfia dentro de um ônibus quente com nossas mochilas e vamos sem rumo. Nada de avião, por favor, avião só se você quiser cruzar o oceano que eu não cruzo de navio nem que me paguem. O que você acha? Se a gente pegar o ônibus mesmo, nas paradas a gente compra uns chicletes, uns óculos escuros, algumas baboseiras para forrar o estômago e alguns chaveiros para pendurarmos ou colecionarmos. Aí depois de dias de viagens, a gente se enfia num hotel no meio do nada e arruma um quarto qualquer para gente se esconder. A gente joga as roupas em qualquer canto, toma um banho, faz nossas besteiras e dorme por horas. E depois a gente se joga na estrada de novo e se perde nesse mundo sem fim cantando qualquer música que fale de liberdade. Quer fugir comigo?

Parei. Você riu do meu nervosismo, você riu da minha cara de idiota, riu da minha fala atropelando as palavras e disse que queria, mas perguntou se eu estava falando sério. Mas depois você disse com todas as letras que sim. Que queria, que arrumaria suas coisas e que era para gente correr. Depois disso, só lembro do vento na cara, da cabeça no seu ombro e do sorriso na boca.

Falei como se fosse passado, sabendo que é futuro.
Não exatamente assim, mas quase isso.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

"E se eu puder fazer por ti o que ninguém jamais fez por mim, eu faço"

Eu te compus uma música no escuro. E te entreguei quando o dia nasceu. Eu não sei compor, não sei rimar, mas tentei. Agora só falta arrumar um ritmo certo, um ritmo que não seja brega. E preciso depois aprender a não desafinar na hora de cantar. Ou canto desafinando mesmo. Depois eu escrevo um livro. Picho um muro na frente da sua casa. Escrevo em um outdoor na rua do seu trabalho. Bato na porta de um astrônomo e peço para ele colocar seu nome em uma estrela bem brilhante. Roubo mil rosas e te dou, imitando Cazuza, só para ouvir sua voz rouca me chamando de exagerada. E conto para o motorista do ônibus sobre você. Escondo meu celular para ninguém descobrir nossos segredos. Puxo sua mão pela madrugada. Beijo seu pescoço antes de dormir. Vou para o litoral, mergulho em alto mar e te dou uma estrela-do-mar de presente de recordação. Te ensino a montar cubo mágico. Te espero mais vinte minutos, te espero mais vinte anos. Escrevo cartas e escondo em lugares que você só achará daqui alguns anos. Cozinho sua receita preferida. Divido minha bebida com você. Divido meu travesseiro. Divido meus sonhos. Vejo o seu filme preferido quantas vezes você quiser. Faço você ver meu filme preferido quantas vezes eu quiser. Depois, depois, depois. Depois te conto uma história bonita. Leio o mesmo livro quantas vezes você quiser. Murmuro que te amo depois de uma briga. E sigo te amando.

Te espero mais vinte minutos todos os dias,
Te espero mais vinte anos em todas as vidas que cabem em mim.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Murmurava tanta coisa...

E me pedia em segredo, aquele monte de bobagens. Ninguém prestava atenção nos sons, nos ecos. Mas ele continuava me pedindo enquanto eu estivesse ali. E eu sempre estava. O coração palpitava, ficava exposto para quem quisesse ver e ele me pedia e repetia. Era tudo segredo. Segredo sacana, mas não era covarde. Não tinha covardia ali. Era a mais pura forma de segredo. Silêncios do tamanho do céu que nos aproximavam enquanto o mar de lençóis nos rodeavam e depois o silêncio sumia aos poucos e dava lugar a mais segredos. Segredos que só nós ouvimos. E todo aquele choque me acompanha desde então, choque que me arrepia cada fio de cabelo, até mesmo os meus raros pêlos do braço. O meu maior segredo e a minha melhor confissão. Ele se escondia entre sonos pesados e me chamava baixinho quando começava a amanhecer, a noite vinha chegando pesada, mas ele repetia: o sol ainda existe, baby, me conta teus segredos também. E compartilhávamos. Nos rásgavamos sem pudor diante um do outro e eu balbuciava quando alguma lágrima queria sair e ele ficava perplexo tentando entender o que estava havendo. Eu só dizia que nada, nada, nada. Mas sem mencionar que sentir tanto me preenchia e que quando o amor aumentava, eu precisava transbordar. Esse segredo ele nunca soube, esse segredo ele nunca ouviu pela minha boca, mas quando ouvia meu silêncio, já entendia bem. Eu transbordava e ainda transbordo amor. Transbordo sem medo do amanhã porque estamos muito além dessa definição de tempo. Ontem, hoje, agora, depois e amanhã... Tudo se embaralha e eu continuo compartilhando meus segredos com você, continuo sentindo tanto choque antes de dormir e continuo abafando qualquer som com algum CD barato que repete sempre as mesmas canções para os meus ouvidos que nunca se cansam de ouvir atentos enquanto eu me perco em nós dois.