quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A alma que queria partir.

O diagnóstico havia sido feito pelo melhor médico da cidade. Ele passara aproximadamente vinte noites acordado com os olhos bem abertos enquanto pensava na sua paciente e depois disso, a examinou mais oito vezes para ter certeza daquele caso raro. O único no mundo, quiçá. Como dar aquela notícia tão absurda para a família? Como explicar com palavras sensatas o que se passava com a pobre moça? Quem a olhasse nos olhos, talvez percebesse que algo estava errado, mas ninguém julgaria se tratar de algo tão grave. Quem a visse andando na rua achariam que tudo estava bem ou que ela estava simplesmente passando por um dia ruim. Ninguém — nem mesmo ela — sabia o que de fato lhe acontecia e lhe atormentava.

O doutor, então, depois de muito pensar trancado em sua sala, chamou a família e a moça. Chamou-os pra dentro e pediu que se sentassem. A mãe, um pouco trêmula, sentou segurando sua bolsa com as duas mãos firmes. O pai com um olhar bastante distante, sentou-se ao lado da mulher e repousou sua mão no ombro dela. Já a paciente sentou-se rapidamente e encarou o médico com aquelas pupilas dilatadas, aqueles olhos azuis amendoados e aquelas lágrimas acumuladas nas pontas dos cílios. E por fim, o namorado permaneceu em pé atrás dela com suas duas mãos sobre seus ombros. O médico puxou o ar enquanto aqueles oito pares de olhos o encaravam de maneira angustiante, ele mediu as palavras mais quinhentas vezes e disse:

— Pois então... — Outro suspiro foi arrancado de seus lábios.
— O que ela tem, doutor? Diz logo, não me aguento mais nessa agonia. — A mãe choramingou.
— Não sei explicar bem, não é nada físico. — Deu-lhes um sorriso amarelo e prosseguiu. — E não é nada psicológico que remédios possam curar ou que terapias possam ajudar. É algo mais profundo. — O papo estranho começara, mas ele teria que ir até o fim. — O problema está na alma da nossa pobrezinha. 
— Como assim na minha alma? — Ela levou sua mão até seu ombro e tocou a mão do namorado que estremeceu com a sensação de que um bloco de gelo o havia tocado. — Com todo respeito, doutor, mas quem o senhor acha que é para julgar minha alma?
— Não sou ninguém, garotinha. Mas eu sei. Eu sei e creio que você também sabe do que estou falando. — Ele fixou seus olhos nos dela e ela desviou o olhar para deixar que uma lágrima escorresse. Ele prosseguiu olhando para os pais. — Não há cura e nunca haverá, cuidem dela como se fosse seu último dia porque nunca saberemos quando realmente será. — O silêncio prevaleceu até todos decidirem se retirar da sala do médico maluco.

Rude. A menina pensava e repitia mil vezes em sua mente o quanto aquele doutor era rude para falar daquela maneira. O namorado lhe entrelaçara a mão no momento em que saíram do consultório e não ousava soltar. Os pais foram o caminho de volta para casa discutindo o que, afinal, o médico queria dizer com toda aquela baboseira. Mas ela, ela sabia bem do que ele dizia. Ela carregava na alma o peso no mundo, carregava nos ombros o que já não lhe cabia mais no peito e carregava no fundo dos olhos o que a vida havia lhe dado. Era aquela a verdade. Qualquer um que realmente reparasse nela, saberia que ela era uma joia rara de preço inestimável, mas que não adiantaria lutarem para proteger-lhe da solidão porque a solidão era sua melhor companhia. Ela fugia de todos para conseguir botar tantos pensamentos em ordem. Ela não conseguia devorar os sentimentos pelas bordas: ou ela pulava de ponta dos penhascos com os quais se deparava ou ela não seria ela. Ela precisava da imensidão e quando não tinha o mar ou o céu, recorria aos seus sentimentos. Era aquela a verdade.

Ao perceber que a namorada não havia dito uma palavra sequer desde que saíram do consultório, o rapaz de olhar ameno e lábios finos, resolveu chamar-lhe de volta para a realidade enquanto entravam no quarto dela:

— O que ele falou que te incomodou tanto? — O jovem foi direto.
— Ele me expôs, não suporto que façam isso comigo. Como ele descobriu? — Ela tinha os lábios trêmulos e afundou a cabeça na curva do pescoço do garoto.
— Como ele descobriu o quê? Por favor, me fala. — A angústia dela estava se passando para ele que não pensou duas vezes antes de começar a afagar os cabelos dela.
— Eu estou a beira da morte, amor. — Ela sussurrou no seu ouvido e enxarcou a bochecha de ambos com suas lágrimas cristalinas.
— Não está! Não está... O médico já disse que você não tem nada físico e muito menos psicológico. O que ele quis dizer com aquele lance de alma é tudo invenção, tudo invenção. — Desesperado e desamparado ele deixou um ou duas lágrimas caírem também.
— Não, não. Você não entendeu. Eu estou a todo momento a beira da morte, mas dessa vez acho que não escapo. — Ela pousou o dedo indicador sobre o lábio deles e prosseguiu... — Não diz nada. Quer dizer, diz sim, canta pra mim aquela música que fala da escuridão...
Meu amor, um dia você irá morrer, mas eu vou estar logo atrás... Eu vou seguir você até a escuridão*. — Ele cantou meio chorando meio sussurrando meio desesperado enquanto embalava a menina num abraço. As forças dela para soltar um suspiro forte eram escassas e só lhe restou soprar de leve enquanto sentia os braços do garoto ao seu redor. Ele a soltou um pouco para olhar dentro dos seus olhos e logo entendeu o que ela havia falado, voltando a abraçá-la em seguida e repetindo mil vezes sem pensar. — Eu vou seguir você até a escuridão...*


*Trecho da tradução da música "I will follow you into the dark" da banda Death Cab For Cutie.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Tradução.

Errei ao supor. Eu supunha que te conhecia por inteiro, supunha me conhecer inteiramente e supunha conhecer a imensidão desse sentimento. Errei de maneira inigualável quando eu sussurrei no meio da noite, depois de uma dose ou duas de bebida, que eu sabia onde isso iria parar. Eu nunca soube, amor. Nunca soube e nem sei ainda. Eu não te conheço por inteiro, mas cada dia que te descubro só aumenta a vontade de afundar meus dedos no seu cabelo. Eu não me conheço inteiramente e você também vê só a ponta desse iceberg que sou, mas vou me descobrindo aos poucos e vou me mostrando com calma para não te assustar, não quero tirar de você a vontade de me aninhar nos seus braços. E onde já se viu? Eu deduzia que em tal dia em tal hora, o sentimento pararia de crescer e que nos manteríamos assim, plenos e amenos. Somos qualquer coisa, menos amenos. Nunca preciso fazer nada e ainda assim, sinto meu amor crescendo todos os dias. Não há suposição válida para nós dois. Nós só somos.

Estava cansada de tantas máscaras, não haviam mais opções de disfarce, mas você veio me salvar. Joguei todas as máscaras debaixo da cama, varri toda a poeira do quarto e abri a janela para o vento trazer seu cheiro. E seu cheiro chegou, invadiu a casa toda e pareço um pouco desnorteada enquanto fico andando do quarto até a cozinha com os olhos fechados e um sorriso no rosto. Vou até a janela com passos tímidos e te chamo baixinho enquanto te procuro pelas nuvens ou entre os carros que correm lá embaixo. O vizinho do prédio da frente já nem sabe direito se eu tenho uma espécie de amigo imaginário ou se eu gosto de falar sozinha, mas ele nem imagina que não é nem um e nem outro. Eu gosto de conversar com você desse jeito, mesmo em silêncio e mesmo sem você me ouvir, eu estou a todo momento te sussurrando meus segredos, meus anseios e meu amor — que já não cabe em mim mais.

No meio das noites, às vezes tão quentes e às vezes tão frias, eu não me importo de acordar com a visão embaçada e fechar os olhos logo em seguida só para ouvir sua voz. Não me importo de chorar baixinho quando eu percebo que amor maior não há. Não me importo de suspirar em meio a silêncios e te falar, meio estremecida, que eu nunca amei assim. Saímos pelas noites separados, mas os dois sabem muito bem onde querem estar no final. Eu sou apaixonada por você e você é apaixonado por mim, mas essa não é a parte mais mágica. A magia toda se envolve ao redor do fato de que o amor está apaixonado por nós: encontrou seu lugar e agora tem certo conforto por estar, finalmente, alojado em nós dois. Se o amor se traduzisse em gestos, não tenho dúvidas que seria qualquer um que envolvesse suas mãos nas minhas, sua boca na minha e seu corpo no meu. Se o amor se traduzisse em algum gosto, não tenho dúvidas que seria o gosto da sua saliva misturada com a minha. E se o amor se traduzisse em palavras, não tenho dúvidas que seriam apenas duas: meu nome grudado no seu.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A menina das asas quebradas.

Ela se manteve parada diante do espelho com certo pavor ao se encarar diretamente. Mais um dia estava começando normalmente até ela se olhar no espelho. Não podia acreditar naquele defeito inaceitável. Não podia se encarar e nem suportaria os olhares que lhe lançariam. As lágrimas desciam pelas bochechas rosadas, pela pele de porcelana enquanto ela se virava de costas para o espelho. O que falariam dela? O que falariam para ela? Erros assim são imperdoáveis, mas ela nem lembra onde havia errado afinal. Vestiu seu melhor sorriso e saiu. Saiu sem saber direito aonde ir, não iria para os lugares de sempre, mas também não tinha outros lugares para ir.

Tentou esconder suas falhas, mas em vão. Enquanto ela caminhava todos na rua a encaravam abismados. Como aquela menina tinha perdido aquele pedaço de asa? Nem ela saberia dizer. Acordara daquela forma e não conseguia se perdoar por ter deixado escapar um pedaço tão grande de si mesma. Ela estava andando meio cambaleando para a esquerda porque a asa deste lado pesava mais que a outra. Queria mandar todos calarem seus pensamentos enquanto ela caminhava cabisbaixa. Queria encontrar um par de asas novas ou qualquer consolo, mas era impossível no meio de todos aqueles outros perfeitos e completos.

Ela continuou andando em frente e passou a ignorar os olhares julgadores. Ela já estava se odiando o suficiente para ter que aguentar os julgamentos dos outros. Avistou, finalmente, um banco vazio e sem ninguém ao redor. Atravessou a rua sem olhar para os lados e se sentou. Suspirou com um misto de agonia e alívio enquanto torcia o pescoço para observar suas asas. "Pobrezinhas...", ela balbuciou tremendo os lábios vermelhos. "O que foi que eu fiz conosco?", ela se perguntou deixando as lágrimas escorrerem novamente.

Quando conseguiu parar de chorar e ficou estática no banco, lançou seu olhar para o outro lado da rua. Não havia ninguém além de um rapaz. Um rapaz alto de sorriso torto, cabelos perfeitos e asas quebradas. Ele manteve suas mãos no bolso enquanto olhava para a menina sorrindo. Pensou em chamá-la, mas decidiu que seria melhor ir até ela. Sacudiu os ombros e atravessou a rua sem olhar para os lados também. Apontou para o espaço vazio do lado esquerdo do banco como quem perguntasse se podia se sentar e a menina apenas fez que sim com a cabeça enquanto passava as mãos pelos olhos. Ficaram sentados um do lado do outro em silêncio por um longo tempo. Depois de longos minutos, ele falou:

"Doeu?", ele apontou para as asas dela.
"Perder aquele pedaço?", ela perguntou molhando os lábios com a língua logo em seguida. Ele assentiu com a cabeça e ela prosseguiu. "Não, nem me lembro como perdi... E o seu?".
"Doeu e doeu muito...", ele forçou uma careta e se remexeu calmamemente.
"Sinto muito", foi tudo que ela soube dizer. Não queria entrar em detalhes, não se achava nesse direito.
"Está tudo bem.", ele também não sabia muito bem o que falar. "Ser assim é normal.", ele procurou as palavras e quando as achou, soltou-as de uma vez. "Foi um choque para mim quando eu me vi sem as minhas também, mas eu sabia que o que viria a seguir era grandioso. Pelo menos era o que diziam as lendas.", ele sorriu encostando na bochecha dela.
"O que veio a seguir? Quais lendas?", um olhar de dúvida foi lançado.
"A lenda das asas quebradas. Como nunca ouviu?", agora fora a vez dele de lançar para ela um olhar de dúvida. "Dizem que quando suas asas se quebram, você tem a chance de se camuflar e esconder sua imperfeição. Desde que você proteja uma pessoa o máximo que puder até que o inevitável aconteça e as asas dela se quebrem também.", ele suspirou e prosseguiu. "E dizem que depois os dois podem se reconstruir juntos.", ele fixou seus olhos verdes nos olhos mel dela.
"Quem você protegeu e por quê suas asas não estão reconstruídas?"
"Ora, não está claro? Eu protegi você. Há anos minhas asas se quebraram e eu escolhi te proteger. Não sei por qual razão, mas escolhi. E eu te protegi. Foi minha grande missão por anos e anos. Até que ontem, por um discuido meu, enquanto você dormia você perdeu um pedaço da suas asas. Eu me senti péssimo, mas fico mais aliviado que não tenha doído em você.", ele sorriu e ela o olhava boquiaberta. "Não me olhe assim. Foram os melhores anos da minha vida. Mas só não foram tão bons quanto os que estão por vir.", ele ainda mantinha seu sorriso nos lábios.
"Agora o que vai acontecer?", ela queria fazer milhares de perguntas, mas se sentia hipnotizada por aquele que ela poderia chamar de anjo.
"Agora nós vamos nos reconstruir, menina.", ele não se conteve e entrelaçou sua mão com a dela. "Céus, como eu queria fazer isso...", ele pensou em silêncio e estremeceu.
"Como?", ela sentiu o tremor dele e tremeu em resposta.
"Venha.", ele depositou um beijo gentil nos lábios dela e se pôs de pé.

Ele a puxou pela mão e atravessaram a rua. Sem olhar para os lados.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Sem saída.

Não há mais salvação. As chances de retornar e pegar o caminho de volta se esgotaram. As chances de poder fechar os olhos sem te enxergar já se esgotaram. Até certo ponto, eu poderia fugir se eu quisesse. Eu não quis. Mas eu poderia sim, ter acenado de leve e corrido pra longe. Eu poderia, mas não quis porque eu tenho certo gosto pelo que me amedronta e você me amedrontou, logo de cara. Uma espécie de raio me atacou desde o primeiro momento e isso é inegável. Você derrubou as portas que eu havia trancado à sete chaves e nem me pediu permissão. Eu te olhava abismada e boquiaberta, mas você foi me invadindo mesmo assim.

Havia um impulso me empurrando para a saída de emergência, mas eu fui ficando, fui observando tudo cuidadosamente. Mas quando eu me descuidei por dois segundos só para te admirar no escuro, eu vi que era tarde demais. E algo dentro de mim murmurou que era pra esse rumo que meu destino apontava e que já não tinha volta. Saída de emergência? Não havia nenhuma mais e eu não queria que houvesse. Eu me desarmei para não te assustar, retirei dos bolsos aqueles papéis que ditavam regras e soube que nada daquilo serviria para nós. Somos únicos, eu tenho certeza. Não adianta ninguém vir sussurrar o que eu deveria fazer porque ninguém está nas nossas peles. Só eu e você sabemos de nós.

Não há mapa que nos ajude a chegar no tão sonhado final feliz, ninguém pode nos guiar. Por isso que eu seguro na sua mão dessa maneira, por isso que eu olho tão fixamente pra você, por isso que eu tento tanto te cuidar. Nós somos o destino e a viagem e eu não quero que você se perca, não suportaria te perder. Sou um pouco descuidada e sei bem que tropeçarei muito, mas sei que da mesma forma terei que te ajudar quando for sua vez de tropeçar. Eu nunca tive tanta disposição para acreditar em uma história como eu tenho para acreditar na nossa.

Mesmo com os olhos vermelhos depois de tanto chorar no telefone, eu sei bem da felicidade que só você me causa. Não pense que minhas lágrimas vão me afogar porque não vão. Mesmo murmurando neuroses e me mostrando frágil, eu sei da nossa força. Não pense que meus medos vão nos destruir porque não vão. Eu sei que se eu fecho os olhos, você vem. Eu sei que enquanto eu não puder ficar brincando com os dedos no seu ombro, eu tenho a sua voz. Não pense que com nossos silêncios eu vou deixar de te ouvir, porque eu não vou. Eu sei que enquanto eu não posso te cuidar da forma certa, eu posso te cuidar das minhas maneiras tortas. Você me salvou e eu não me importo que não tenha mais volta. Eu não quero outros caminhos porque neles eu não existiria completamente. Eu não quero outra vida porque sem você já não seria certo chamar de vida. Não pense que nossas tentativas de nos alcançarmos são inúteis porque eu tenho certeza que não são.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Foi só a música.

A verdade é que ela já nem se lembrava dele, não havia razão para lembrar. Ele também não se lembrava dela porque já não via mais sentido em manter sua vida fixada num passado muito distante. Eles não lembravam um do outro. Mas quando ela deitava a cabeça no travesseiro, ela sussurrava baixinho cadê-você e ele, do outro lado da cidade, rolava pela cama sentindo falta de um corpo para abraçar. Um corpo não, o corpo. O corpo dela. Mas eles não se davam conta disso e seguiam sempre em frente sem olhar para os lados, sem olhar por cima dos ombros, sem demonstrar qualquer sinal de remorso pelo fim.

Naquele momento, ela se debruçou sobre o parapeito da janela e fechou os olhos enquanto ele rondava a cidade em seu carro. Ela se manteve daquela forma por minutos ou horas, talvez, não saberia dizer enquanto ele se manteve rondando a cidade por minutos ou horas, quem sabe? Ela ajeitou seu vestido e voltou seus olhos para dentro do apartamento e a visão ficou um pouco embaraçada com aquela mistura instantânea de claridade e escuridão. Ele parou em um posto de gasolina só por parar, não fez nada além de esticar os braços, retirar os óculos escuros e sentir a visão um pouco embaraçada com aquela mistura instantânea de claridade e escuridão.

Ela arrumou sua cama, jogou água nas plantas, se olhou no espelho e se achou linda. Ele se olhou no vidro retrovisor do carro e se achou um lixo com aquela barba mal feita e aquelas olheiras. Ela precisava ligar o rádio para cantarolar enquanto arrumaria algo para comer. Ela ligou o rádio e começou a tocar aquela velha canção, como se chamava mesmo? E por falar em saudade, onde anda você? Ele precisava ligar o rádio para buscar algum consolo na voz de qualquer cantor. Ele ligou o rádio e estava tocando aquela velha canção, como se chamava mesmo? E por falar em paixão, em razão de viver, você bem que podia me aparecer.

Ela pensou em ir até o telefone, mas não. Ele procurou o celular nos bolsos da jaqueta, mas não. Mas sim. Achou. Discou. Ela ouviu o telefone tocar e pensou que coincidência grande, meu Deus, quem será? Abaixou o rádio e atendeu.

— Alô?
— Alô?
— Que coincidência, estava me lembrando de você.
— Mesmo? Pois eu também.
— Por quê?
— Por quê?
— Tocou uma música no rádio que me lembrou tanto você. Responda você agora.
— Isso que aconteceu comigo também. Que coincidência.
— Sim, que coincidência. Foi só a música?
— Não sei, foi só a música?
— Foi só a música.

Desligaram. Não havia sido apenas a música. As gargantas ficaram secas, os cigarros foram acesos, o céu ficou nublado instantaneamente, palavras permaneceram emboladas e Vinicius de Moraes continuou repetindo na mente de cada um: e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade. Onde. Anda. Você? 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Pelo vento.


Eu não te peço nada, fico quieta. De que adiantaria murmurar palavras que se embaralham pela minha cabeça? Dizem que os melhores pedidos são pedidos em silêncio. Reconheço e obedeço. Estalo todos os dez dedos das mãos e observo o relógio. Nem ele me aguenta mais e de pirraça decide transformar um minuto em uma hora. O coração implora por um pouco de silêncio, mas Chico Buarque canta e eu acompanho balbuciando: eu-te-vejo-sumir-por-aí. Entro no banho e com meu dedo vou até o vapor no box e desenho um coração miúdo. Tão miúdo que ninguém saberia dizer se era um coração ou um borrão qualquer de quem só apoiou a mão para ensaboar os pés. Enquanto as gotas encharcam meu rosto, eu mantenho meus olhos fechados e nem saberia dizer o que era lágrima e o que era água do chuveiro. Tudo se mistura. Tudo se embaralha. E com a minha visão embaçada, eu já não sei mais pra onde olhar. Você se mantêm no mesmo lugar, eu me mantenho em todos os outros onde você não se encontra. Por incrível que pareça, são nesses desencontros que eu te encontro. É quando você se perde que eu te acho. Somos frágeis demais e um descuido poderia nos quebrar em milhares de pedacinhos impossíveis de serem achados novamente. Cacos que se espalhariam embaixo da fresta da porta, que voariam pela janela, que se esconderiam embaixo dos sofás. Todos os dias eu sinto que não temos mais remédio, que não temos mais saída, que estamos além da definição do amor, que nos juntamos da forma certa, mas que eu te quero da forma errada. Dá vontade de te dizer que eu preciso te deixar viver e voltar quando você tiver certeza que eu serei seu último amor, mas eu só finjo que tem um cisco nos meus olhos com essa nossa tentativa meio torta de nos abraçarmos. Porque antes que eu diga qualquer coisa, você diz que um dia vai estar ao meu lado e ainda diz que vai estar pra sempre. O nó na garganta se afrouxa, a visão vai se normalizando. Reconheço que não sei amar na medida certa, eu só sei te amar desse jeito. Não sei te entregar pedacinhos de mim. Eu não te peço nada, mas eu quero tudo. Eu não posso quase nada, mas me jogo inteira pelo vento. Basta você me sentir. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Indizível.

Os fins das noites funcionam sempre da mesma forma. Eu fecho os olhos na sua frente e digo que quero dormir, fico encostada na cadeira de olhos fechados e você acredita realmente que eu só quero dormir, mas não passa pela sua cabeça que eu fecho os olhos para não chorar na sua frente. Falando assim, parece que todos os dias você me dá motivos para chorar, mas não é isso. Eu sinto vontade de chorar, mas não é de tristeza. É só pela presença do desconhecido, de algo que não tenho mais controle, algo que me controla, que regula cada pedaço mínimo do meu dia e do meu humor. Quando eu fecho os olhos, assim, pra segurar o choro, eu fico vagando pela minha cabeça buscando palavras, mas sempre desisto por ter medo de sussurrar bobagens demais em seus ouvidos. Eu me seguro por não saber como dizer. Aquele clichê de que certos sentimentos não se encaixam em palavras, se encaixou perfeitamente para mim. Para nós. Para nossa situação. Enquanto você dorme ou está longe de casa, eu permaneço com as luzes do quarto acesas e os olhos presos no teto. Olhos arregalados, parecendo olhos de crianças assustada. Enquanto as lágrimas se acumulam e fogem pelas minhas bochechas, eu sorrio. Tento organizar meus pensamentos nos papéis, mas não cabem mais. Palavra nenhuma diz o que eu quero dizer. Tento falar da minha saudade, do meu ciúme, do seu cheiro, da sua voz e fico rondando pelo mesmo ponto, pelo mesmo amontoado de palavras que sempre dizem o que eu já havia dito antes. O que será que é preciso, então, para que eu vá além dessa mesmice de todos os meus escritos? Como eu vou conseguir explicar o que estou sentindo sem bater sempre na mesma tecla? Eu digo que quero ficar contigo pra sempre e você diz que eu vou dar pra trás e eu só consigo fechar os olhos de novo e rezar para que o dia que você não vai me querer mais, esteja bem longe de nós. Reúno todas as minhas forças para tentar te dizer o que se passa na minha cabeça, mas sempre me calo. O discurso fica estagnado na minha cabeça, mas eu desisto enquanto suspiro. Solto as palavras como um sopro. Um sopro forte que tenta te alcançar — em vão. Eu já te disse tanto, tanto, mas não quero te assustar, não quero te cansar com tentativas de explicações bobas, não quero te ver disistir enquanto observa minhas estranhezas e por isso mesmo me calo. Só eu sei o que sinto. Só eu sei como é sentir falta de você nos momentos mais desnecessários, sentir falta enquanto você diz que vai ali por cinco minutinhos e sentir falta enquanto eu sei que você vai ficar bem sem mim. Só eu sei como é reler cada palavra buscando um novo detalhe importante. Só eu sei como é sentir seu cheiro andando pela rua. Só eu sei o que é sentir tanto ciúme por bobagens. Só eu sei porque eu tenho tanta certeza de que sou eu quem ama mais. Só eu me encolho na cama esperando você me abraçar a qualquer momento e me chamar de boba, dizer que tanto medo é desnecessário e que eu te tenho bem aqui. Só eu sei que nem eu mesma sei o que sinto. É indizível o que eu tenho pra te dizer.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Paris.


Mon amour, 

Cheguei agora em Paris e havia prometido que lhe escreveria assim que chegasse e sem exageros, é isto que eu estou fazendo. Nunca te entreguei carta alguma, mas já te escrevi milhares delas. Aquelas noites em que você dormia rápido demais, eu acendia o abajur e rabiscava palavras enquanto eu te olhava dormir. Nada demais, nada muito útil, bobagens apenas. Agora estou longe demais para me envergonhar por ter esse coração de menino, então vou te dizer: eu costumava me referir a você como um acidente. Mon accident. O acidente mais catastrófico de uma quinta-feira às três da tarde em que eu caminhava distraído pela rua. Não digo que você apareceu por acaso porque não acredito nessas bobagens, mas digo que você foi tudo que um acidente é: você foi a colisão, o sangue, a tragédia e a morte. A morte de quem eu não suportava mais chamar de "eu". Você foi o acidente que me tirou da minha vida e me abriu as portas de uma vida nova. Não estou exagerando.

O tempo aqui é agradável, bem do jeito que nós imaginamos. Eu me imaginava aqui contigo, mas sei que não você não pôde vir, eu compreendo apesar de achar que essa cama de casal é grande demais para mim. Mas eu não vou trazer mulher alguma pra cá, não se preocupe. Paris é a cidade do amor, não é? Ville de L'amour. (Ou seria Veneza? Desculpe, não sei mesmo). Mas se for mesmo a cidade do amor, quero dizer que é tudo bobagem. Seria se você estivesse aqui, mas agora a cidade do amor pra mim é São Paulo, mesmo com toda a fumaça e a intoxicação pela poluição... Porque é aí que você se esconde no nosso apartamento com seu gato, suas danças malucas e sua saia de hippie que você veste só para sentar na sacada e fazer pose. Por falar nisso, quando (e se) for responder essa carta, me mande uma foto sua vestida assim? Vou colocar aqui no criado mudo ao lado da miniatura da torre.

Não pense que eu queria ter vindo, se a escolha fosse minha, eu teria ficado. Espero que você saiba. Não pense que eu fugi por causa daquela nossa briga, mas coloque na sua cabeça avoada que eu vim a trabalho, apenas. Então, enquanto eu não estiver aí, vê se você se cuida. Come direito, não esquece de dar comida pro Tico, não esquece de colocar o lixo pra fora, não esquece de pensar em mim, não fica com medo quando chover demais, quando acabar a luz pega uma vela na última gaveta do seu armário da cozinha e acenda, saia com as suas amigas, não chore porque eu estou longe, dorme só do seu lado da cama e abraça meu travesseiro, vá à faculdade, pode me mandar e-mails falando mal da nossa vizinha e continue radiando essa beleza. Não tenho medo do que os outros caras vão pensar ao te olhar porque eu sei de nós. Eu acredito em nós.

Fica em paz, meu acidente. Mês que vem eu estou de volta. Enquanto você se colidir em mim, vou adorar estar sempre a um passo da morte, você sabe. Je t'aime tant.

Com carinho,
do teu.

domingo, 27 de novembro de 2011

Das tardes, das noites e das certezas.


Você devolveu a minha inspiração. A minha margarida já tinha sido despetalada por tantos mal-me-quer pelo caminho e exagero nas palavras, mas foi você quem me deu um buquê novo e perfumado — daqueles perfumes que me fazem fechar os olhos só para sentir direito. E agora nem preciso me dar ao trabalho de despetalar nada porque eu já sei que a última pétala — e todas as outras também — são de bem-me-quer.

Não me esforço para te dizer nada, nunca precisei pensar por mais de dois segundos para que saísse alguma coisa da ponta da caneta azul. Os papéis ficam aos montes jogados pelo quarto, sujos de café, borrados com lágrimas e ao contrário do que eu era acostumada, minhas mãos não doem, meu coração não dói e minha alma não dói quando eu cito seu nome. Fica em mim a todo instante a necessidade de te procurar com meus versos tortos, com minhas palavras mudas. Invento histórias sobre nós dois para saciar essa sede estranha dentro de mim e ninguém que lesse saberia dizer o que de fato aconteceu e o que foi só sonho ou miragem. Ninguém, nem mesmo nós. Já viajamos por esse mundo e você nem sabe. Já te levei comigo pra tantos lugares e você nem se lembra.

Eu me joguei nesse abismo, sim. Alguns disseram que era um erro pular de olhos fechados e de braços abertos dessa forma. Tentaram me segurar na borda, gritaram que a qualquer momento eu iria me destruir no chão, mas eu não liguei. Eu fechei os olhos e fui. Não acredito na minha capacidade de voar, mas acredito na sua capacidade de me fazer flutuar. Tal poder vem só de você e de ninguém mais. Eu fecho os olhos, estico os braços como se tivesse asas e abro um sorriso que não mostra meus dentes e é incrível, mas me sinto em outra atmosfera, sem gravidade alguma. Eu erro sempre e nós podemos estar errando. Mas se for isso mesmo, ao menos estamos errando juntos e saiba que esse erro tem sabor de acerto. E eu sei que quando eu estiver me sentindo fraca demais engolindo minhas lágrimas no escuro, eu vou te pedir pra continuar errando comigo. Você vai dizer que aceita?

São em tardes como a de hoje que eu me divido entre observar suas fotos ou pegar aquele papel no meio daquele livro que tem tanto o seu cheiro. E nesses momentos entra em ação o meu poder estranho de me mover sem sair do lugar. Antes que eu perceba, abro os olhos e te vejo deitado ao meu lado, ouço Cazuza baixinho ao fundo, você beija meus olhos e diz que dormi demais, fecho os olhos novamente enquanto suspiro e murmuro pra você não me soltar porque eu estou cansada demais. Abro os olhos de novo e me encontro parada com seu cheiro nas minhas mãos. Não da forma que eu gostaria, mas da forma que me é permitida.

São em noites como as de hoje — como as de sempre — que eu viro cometa querendo entrar na sua órbita. Viro luz querendo iluminar seu quarto. Viro palavras querendo entrar nas suas cartas. Repito que te-amo mesmo depois de desligar o telefone e sei que você ouve. A certeza é incerta e o futuro mais ainda, mas te querer dessa maneira é o suficiente, por enquanto. Te querer inteiro, te querer por perto e te querer sem medo. Você ganhou, amor: conseguiu me virar do avesso como ninguém jamais havia conseguido.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A morte de cada dia.

Eu morro todos os dias, amor. Morro e levo comigo toda a história suja e mal contada desse mundo. Morro naqueles instantes entre o ainda estar desperta e o fechar dos meus olhos no fim das noites. Não sei explicar como e nem porquê, mas o suspiro sai em forma de sopro forte e tudo acaba. Vou ao céu e vou ao inferno. Depende do dia, depende de mim. Eu morro todos os dias, amor. O sonho vira uma espécie de pesadelo, a agonia vira uma espécie de paz e eu não consigo explicar. Estico os braços pela cama te procurando e as lágrimas caem, mas uma voz me diz: você já morreu, menina, esquece isso. E eu quero gritar que não que eu preciso voltar que isso não está certo, mas me deixo levar. Saio pela janela enquanto continuo na cama. Vago por essas ruas que escondem segredos pelas noites e nunca sei o que procuro. Nunca sei se procuro uma saída ou uma maneira de me perder e não voltar.

Eu morro todos os dias, amor. Não há velório, não há nenhuma lágrima além das minhas, ninguém percebe que eu morri. Levo o silêncio, levo as flores, levo as dores, levo as alegrias e as trago de volta quando renasço. Trago de volta em cacos e tento reconstruí-las. Quando eu volto voando pela mesma janela que eu saí, trago nos bolsos milhares de planos e sonhos que se quebraram enquanto eu estava a caminho do céu. Jogo tudo na cama e me observo dormindo. Transpareço tanta paz e exalo tanta agonia. Abro os olhos como se tivesse sido despertada de um sono muito profundo. Apoio a mão esquerda com toda a força no meu peito e tento organizar os pensamentos. Morrer não é tão difícil quando comparo com essa forma de renascer tão aflita.

Renasço com palpitações, com dor de cabeça e com as vistas meio turvas, com os olhos meio marejados. Suspiro tentando manter a calma e observo minhas mãos trêmulas. Olho no relógio nesses momentos e o horário que eu renasço é sempre o mesmo: cinco-e-trinta-e-sete. Observo meus braços arrepiados e peço pra essa aflição ir embora. Lembro dos sonhos quebrados no meio do caminho e vasculho os cobertores enquanto resmungo: tenho certeza que foi aqui que eu os joguei agora a pouco. Mas não os acho. Não vejo nada, mas sinto os cacos fincando cada pedacinho de mim. Choro um pouco e me sinto fracassada por não ter conseguido voltar inteira. Começo a tentar mentalizar coisas boas para estar completamente viva quando o Sol nascer e o que ronda minha mente são as cores do dia. O peito desacelera e eu respiro fundo.

Eu morro todos os dias, amor, mas sempre renasço com mais sede de vida.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Medo de escuro.

Não queria te perder de vista nesses momentos cruciais. Momentos que valem muito. Queria estar por perto quando o dia começasse só para te dar a certeza da grandiosidade da manhã. Não, eu não penso assim sempre, mas eu pensaria se acordasse ao teu lado e por pensar nessa possibilidade, acabo otimista com o nascer do Sol de todos os dias. Queria poder te oferecer mais do que minhas palavras. Queria te oferecer tudo que já é seu por inteiro, apesar de você não ter em mãos — ainda. Queria que aquele meu presente fosse mais do que algumas canções gravadas. Apesar de que as canções te contam em meio a instrumentos e vozes que eu sou sua. Ouça bem cada uma delas enquanto eu não posso te olhar nos olhos pra te dizer isso.

Meu coração fica pequenininho quando penso na imensidão de tudo isso. Quando penso na vontade de te segurar firme e falar que você merece ser muito feliz — "não só hoje, mas todos os dias". Quando penso na sua vida aí toda emaranhada com a minha vida do lado de cá. O coração não fica miúdo de agonia, não, fica miúdo por ser pequeno demais pra essa mistura absurda de sentimentos e sensações. Sensações e vontades. Vontades imensas que nem cabem em mim e tenho que recorrer à fantasias. Nem os sonhos me satisfazem mais porque, às vezes, você insiste em fugir de mim quando fecho os olhos. Mas quando acordo você volta  em pensamentos e sorrio meio abobada.

Dias como hoje. Dias que valem tanto só me dão mais vontade de te olhar. A imaginação falha em alguns momentos e em momentos em que você deve estar tão feliz, eu só queria observar essa felicidade. Não precisaria nem que você me visse. Eu poderia ficar escondida pelos cantos, te olhando atrás da fechadura, te olhando pela fresta da porta, te olhando por cima do muro ou de cima da árvore. Não digo que não queria estar contigo, queria sim. Mas só a sua presença seria o suficiente, acho que é isso. E depois de te observar o dia todo, eu poderia aparecer à noite. Não em sonhos, não em pensamentos. Em carne e osso. Deitada ao seu lado e contando de como eu te observei quieta sem que você me visse. De como eu fiquei feliz só pela sua felicidade.

O que eu quero dizer com tudo isso é: aproveite seu dia e faça com que todos os dias sejam seus, mesmo que não haja nenhuma data significativa. Fique feliz o tempo todo se possível. Não estarei escondida atrás de nenhuma porta te observando porque não será possível, mas eu estarei aí. De alguma forma. De qualquer forma. De todas as formas. Eu tenho medo de escuro, mas sempre apago as luzes só para te ver melhor.

domingo, 20 de novembro de 2011

"Como é que eu troco de canal?"

Esses dias são raros, mas eles existem. E corroem. A cabeça lateja tanto que é preciso fechar os olhos pra não chorar. Para não chorar pela dor de cabeça? Não, não só por isso, por tudo. Alguns diriam que isso é drama de adolescente que não tem do que reclamar, outros diriam que compreendem e se sentem da mesma forma, eu não digo nada. Nadinha. Silêncio profundo que enche o sábado, o domingo e mais ainda as segundas. Vai dando uma moleza inexplicável, uma preguiça de tudo e uma vontade de pegar a escada da dispensa, colocar na frente do guarda-roupa e tirar do maleiro aquela mala antiga empoeirada, soprá-la e colocar ali todas as roupas e todos os sonhos e ir embora. Sem rumo, sem ninguém. Mas nada é feito, apenas me ajeito no sofá e deixo as lágrimas caírem. Eu poderia ligar para uma amiga e pedir companhia, poderia chamar minha irmã e pedir para ela me contar uma história, poderia mandar mensagens no celular de tanta gente, poderia ir ao shopping... Ah, eu poderia muitas coisas, mas eu não faço nada disso porque eu sei de mim. Eu sei que há males dentro de mim que só a solidão cura. Só me resta apagar a luz e ir dormir. 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pra cuidar de nós dois.

Eu te deixei sozinho porque você pediu. Fechei a porta e andei com as pernas bambas até o meu carro. Queria ter ficado e segurado um pouco a sua mão, mas o que me traria segurança poderia te trazer angústia e naquele momento, eu só pensava que-se-dane-a-minha-segurança porque era a sua que me importava. Um pensamento um pouco tolo talvez, eu sei bem. O seu silêncio está me ferindo sim, amor, mas espero que ele te ajude a organizar seus pensamentos e quando você se sentir preparado, venha e me diga o que atormenta. Meus ouvidos estão prontos para te ouvir e eu não vou dizer que é drama nem mesmo ignorarei palavra alguma, vou te ouvir e te darei mil e uma razões para que você não se sinta assim.

Você não sabe, mas desde a primeira vez que eu te vi, eu te assisto. Assisto de uma forma só minha. De uma forma meio errada, meio aflita, sinto urgência por você. Eu sempre te observo dormir, mas você não sabe disso. Sempre te vejo aproveitando as noites em que eu não estou, te faço cafuné quando o sono está demorando a chegar, seguro sua mão quando você sai para passear com o cachorro, te dou beijo de bom dia, bagunço seu cabelo quando você sai do banho. Mas quando você está assim, todo tristonho, eu não consigo fazer nada disso. Nem ouso. Tenho medo de te assustar com essa minha vontade de estar sempre aos arredores, tenho medo de fazer você se cansar de mim ou fugir pra bem longe e aí eu só deito em sua cama te observando. Observo quieta. Observo calada. Só observo. Tento te dar toda a força que eu guardo dentro de mim, tento te aninhar nos meus braços, tento sussurrar que você me tem por perto e que eu não quero te ver dessa forma, mas você não me ouve e não me quer por perto. E novamente, eu te respeito e vôo pra fora da sua janela. Mas continuo parada do lado de fora sem que você me veja.

Fico só esperando algum sinal seu que demonstre que você quer me deixar entrar de novo. Só basta um sinal e eu ressurgirei ao seu lado pra cuidar de nós dois.

Chuva e tinta azul.

1.

"Alô?", ela atendeu desinteressada e segurou o telefone entre o ombro e a bochecha lambuzada de tinta. Estava pintando um quadro novo e odiava ser interrompida, mas nunca deixava de atender ao telefone, mesmo sabendo que nunca era alguém importante. O telefone continuou mudo e ela mordiscava o lábio inferior enquanto fazia tracejados fortes na face de um rosto. Ouviu um suspiro. "Olha, não estou afim de trotes, estou ocupada demais nesse momento. Então, até mais...", ela sussurrou enquanto soltava o pincel na mesa mais próxima.
"Desculpa!", aquela voz que ela conhecia tão bem sussurrou e pigarreou antes de continuar, "Eu não queria te atrapalhar, você está pintando?", ela segurou o telefone firme com a mão esquerda e suspirou silenciosamente enquanto revirava os olhos e limpava a mão direita no avental.
"Eduardo?", ela perguntou com a voz áspera.
"Sim... Não queria atrapalhar, você está pintando?", ele foi insistente na pergunta.
"Estou, preciso de dinheiro, não é mesmo?", acidez em excesso para uma garota tão linda como ela. Morena, traços delicados, olhos cor-de-mel, ondas magníficas no cabelo, leveza no andar.
"Todos precisamos, Beatriz...", ele sussurrou quase que em forma de suspiro e se segurou para não dizer tudo de uma vez.
"Mas e você? O que você quer?", a armadura era forte demais, demais, demais.
"Queria conversar, mas já vi que agora não dá. Quer tomar um café mais tarde?", ele sorriu do outro lado enquanto desabotoava o colar da sua blusa. As pessoas do trabalho se assustariam se percebessem como ele estava suando.
"Pode ser...", ela respondeu com desdém para terminar logo com aquilo.
"Então, passo no seu ateliê as três, tudo bem?"
"Ok, até mais!", ela não esperou resposta e desligou. Colocou o telefone ao lado do pincel jogado e passou suas mãos — ainda um pouco sujas — pelo rosto e sentiu as lágrimas borbulharem pelos olhos. Eduardo era o amor-eterno que ela perdera antes do fim da eternidade.


2.

Eduardo desceu do carro olhando para os pés. O porte físico dele era do tipo de rapaz que está sempre seguro de si, mas naquele momento ele era apenas um moço cabisbaixo contando seus próprios passos. 23 passos até chegar na porta do ateliê de Beatriz com três minutos de atecedência. Estalou todos os dedos enquanto encarava o interfone e passou continuamente a mão pela barba enquanto forçava caretas para si mesmo. Já haviam se passado os três minutos e ele tomou coragem.
Apertou uma vez.
Esperou alguns segundos e olhou ao redor.
Apertou duas vezes.
Esperou alguns segundos e olhou ao redor.
Apertou três vezes.
Colocou as mãos no bolso da calça e chutou uma pedrinha que estava do lado de seu pé direito. A cabeça começou a latejar e ele semicerrou os olhos enquanto dava alguns passos para trás e olhava as janelas do ateliê: todas fechadas. Antes de retirar as mãos do bolso, pegou um guardanapo que ali se encontrava e uma caneta.
"Não tenha medo de mim, Beatriz. Eu quero conversar, eu preciso conversar. Amanhã vou te ligar novamente, espero que você não fuja como fez hoje. Um beijo, Eduardo.", ele escreveu com aquela letra um pouco torta e jogou embaixo da porta. Deu uma última olhadela e contou 23 passos de volta ao carro. Sentou-se no banco, suspirou e deu a partida. Mas ele não sabia que Beatriz estava encostada do outro lado da porta enquanto ele achava que ela tinha ido embora. Ela estava lá, parada e quando ele jogou o guardanapo, ela o pegou no mesmo momento. Cheirou o papel, sentiu o peito disparar e leu mil vezes as palavras escritas por ele. Beatriz estava amedrontada... Ela o amava demais e tinha medo dele voltar, bagunçá-la completamente e partir novamente.


3.

Seis horas da manhã. Eduardo com seu cigarro estava encostado na porta do ateliê de Beatriz. Ele sabia que ali ela não tinha dormido e que a qualquer momento ela chegaria. Ele não se importava em chegar um pouco atrasado no trabalho, ele só precisava olhá-la de perto, sentir aquele cheiro de jasmim e dizer o que estava entalado. Viu um carro parar ao longe, mas não viu a expressão da menina que estava dentro do carro. O pânico tomou conta dela enquanto ela desligava o motor porque naquele momento não dava para fugir. Ele sentiu o peito acelerar e ela sentiu como se fosse desmaiar antes de pisar no asfalto. Mas ambos se controlaram. Beatriz passou a mão pelos cabelos e mordeu seu lábio inferior enquanto abriu a porta e descia graciosamente com aquele ar de "não-ligo" e Eduardo jogou seu cigarro no chão e pisou no mesmo enquanto roçava a mão na barba e tossia. Ela foi se aproximando e ele foi se esquecendo do seu discurso previamente ensaiado em frente aos espelhos de todos os locais. Palavras sumindo feito fumaça enquanto ela se aproximava mais e mais. Palavras inexistentes quando ela estava há um passo de distância...
"Bom dia, senhor! Como posso ajudá-lo?", ela disse num tom leve e divertido levantando a sobrancelha. Não podia transparecer a vontade de chorar só por achá-lo tão lindo e nem mesmo a vontade de correr pra bem longe dali. Ela tinha que transparecer a paz que ela não estava sentindo, a paz que era impossível sentir enquanto ele estivesse nos arredores.
"Eu tenho uma hora marcada pra falar com a dona desse ateliê. É você?", ele entrou no jogo, mas queria mesmo era pegar seu coração e tacá-lo contra alguma parede só para arrancar aquela palpitação absurda de si mesmo.
"Ah, sim, claro...", ela sorriu sem mostrar os dentes e retirou as chaves do bolso da calça. Ele deu licença para ela passar e ela destrancou a porta.


4.

Beatriz foi preparar um café para os dois. Sabia bem como ele queria: um cubo de açúcar, apenas. Enquanto estava de costas, começou a observar a cidade pela grande janela e pensou o que iria ouvir da boca dele. Eduardo estava sentado no sofá do outro lado do espaço e observava calmamente enquanto batucava os joelhos com as pontas dos dedos. Ela pegou as duas xícaras e andou vagarosamente até o sofá. Sentou-se ao lado dele e entregou-lhe a xícara da mão esquerda: a mais amarga. As nuvens do lado de fora começaram a se acizentar e ele sorriu dando uma golada no café.
"Acertou no açúcar...", ele sussurrou antes de colocar a xícara na mesa de centro. Passou as mãos pelo jeans e suspirou, olhando profundamente para ela. Um trovão assustou ambos e ele olhou para a janela. "Vai chover..."
"Vamos direto ao ponto, por favor!", ela disse quase que em um tom de súplica e ele sentiu a dor daquelas palavras.
"Pois então... Eu preciso falar contigo, Beatriz. Não fala nada não, por favor.", ele abaixou os olhos e olhou para suas pernas inquietas. Ela acompanhou o olhar dele e sorriu levemente quando viu o nervosismo do rapaz. "No último mês, eu tenho pensado muito, sabe? Ando pensando nos meus erros e vi que fui um tolo por ter ido embora e por ter te deixado apenas um bilhete. Você ainda me procurou por dias para me explicar o mal entendido e eu me agarrei ao meu orgulho. Eu devia ter voltado assim que você me explicou a situação toda, mas eu preferi te deixar. Mas aí, Beatriz, esses dias eu estava andando na rua do seu ateliê e comecei a pensar em nós dois, pensei feito um louco e pensei: por que eu larguei essa mulher? E bem quando eu comecei a pensar isso, a chuva começou a cair e eu vi você pela janela com um pincel de tinta azul na mão. Nessa hora, eu tive certeza que aquela eternidade que eu tanto dizia que existia entre nós dois, existe realmente. Não era nosso fim, Beatriz, me diz que você acredita nisso também. Eu preciso ouvir isso de você...", ele se aconchegou melhor no sofá e pegou as mãos finas dela.
"Eduardo...", ela fechou os olhos e engoliu em seco. "Eduardo..."
"Olha, desculpa, não quero resposta nenhuma agora. Eu só precisava te deixar saber disso. Foi a chuva e a tinta azul, dois motivos tão banais que me fizeram ter certeza que você é a mulher da minha vida.", ele se levantou e sussurrou: "Eu te ligo e você me diz alguma coisa ou não me diga nada, se você achar melhor. Eu entenderei.", ele começou a andar e ela se levantou rapidamente segurando seu braço. Outro trovão altíssimo foi escutado e a chuva começou a cair.
"Acho que a chuva quer que você fique...", ela sorriu levemente e o puxou pelo braço. "Eu sempre soube da nossa eternidade, só achava que você estava cego demais para reparar nisso.", ela finalizou antes de se deixar chover sobre ele.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A janela e o café.


O fim da tarde chegou com essa vontade de me aconchegar na cama de maneira que eu conseguisse olhar pela janela do quarto. Observei calmamente a mudança gradativa no tom de cor do céu e o vento que invadia a janela acompanhava a minha respiração. Coloquei Los Hermanos para tocar baixinho e eles repetiam que se-é-preu-te-ver-então-deixa-eu-dormir e eu sorri tristonha. Tristonha, mas serena. Minha mãe me perguntou se eu estava triste e eu fiquei em silêncio. O cheiro daquele café que ela faz antes das seis começou a me invadir as narinas e eu tive certeza de que não estava triste. Não é tristeza não, mãe, é só um cado de angústia com amor demais. Amor pelo que, filha? Deixa quieto, mãe, esquece. Angústia pelo que, filha? Nada não, o café está pronto? Peguei minha xícara em silêncio e voltei pro meu quarto. Aspirei aquela fumacinha e sorri. Encostei a cabeça na telinha que protege a janela e beberiquei um gole. Depois dois. Los Hermanos ainda tocava, só que agora falavam algo do tipo: "Alto aqui do sétimo andar / Longe, eu via você" e eu me assustei quando percebi a semelhança da cena da música com a minha cena, cantarolei sorrindo: alto-aqui-do-décimo-segundo-andar. E aí eu consegui imaginar direitinho você chegando lá embaixo, atravessando a rua, olhando pra cima pra ver se eu estava na janela, falando oi para o meu porteiro, o interfone tocando, você subindo os doze andares de elevador e eu indo até lá na porta, te abraçando, sentindo seu perfume, te beijando calmamente na bochecha porque minha mãe estaria te olhando, te oferecendo um café, te dando uma xícara, te pegando pelos dedos, te levando pro meu quarto e sentando ao seu lado na minha cama, observando a janela em silêncio, eu encostando minha cabeça no seu ombro, você fazendo um carinho leve na minha coxa e eu te olhando pelo canto do olho, você sorrindo pra mim, você segurando meu queixo e me fazendo olhar pra você, você me dando um beijo, você colocando as nossas xícaras na mesa, você me contando do seu dia para depois me beijar mais um pouco. Chacoalhei a cabeça e vi que meu café tinha acabado. Suspirei fundo e saí da janela.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Furacão.

Ele estava quieto em um canto.
Ela estava quieta noutro.
Ela se aproximou tristonha.
Ele pensou em recuar, mas continuou onde estava.
Ela roçou as pontas dos dedos pela barba por fazer dele e sussurrou:
"Escuta: me perdoa, me perdoa por ser assim, por ter esse medo absurdo. Mas você não sabe, amor, você não vê. Se eu esticar minhas mãos e te tocar, você vai sentir como eu tremo só de falar sobre isso. Se eu colocar sua mão no meu peito, você vai sentir como meu coração se dispara e para subitamente só de pensar em você. Se você abaixar as mãos um pouco mais, você pode até sentir um pouco das pontadas que meu estômago dá repentinamente só de te observar de longe. Eu sei, menino, eu sou um caos. E eu não queria ser assim. Eu não queria ficar calada de medo só por saber que eu estou submersa numa imensidão que eu desconheço... Ou que eu conheço até demais. Tenho medo do futuro não ser nada do que eu espero. Tenho medo do presente também não ser nada do que parece. Tenho medo de mim. Tenho medo de você. Eu não queria lacrimejar só porque fiquei com ciúmes do seu passado, eu não queria sumir um dia inteiro só porque eu queria que você sentisse minha falta. Eu não queria, mas eu faço essas coisas. Eu faço isso e muito mais. Eu sou ridícula, eu sou um furacão e eu posso destruir tudo, eu sei. E eu já te pedi perdão por ser assim. Mas eu te peço agora que me aceite. Não foge de mim. Atrás de tanta bagunça, tem alguém que nutriu um sentimento absurdo por você, alguém que pode até sentr raiva de você, mas essa raiva nunca supera a vontade de te ter por perto...", ela suspirou.
Os dedos dela já estavam fazendo um movimento automático de sobe-e-desce no rosto dele.
Ele a olhava calmamente.
Ela suspirou de novo.
Ele piscou várias vezes antes de tirar a mão dela de seu rosto.
Ela sorriu aliviada quando ele entrelaçou seus dedos.
"Eu não vou fugir. Eu quero ficar. Não precisa lacrimejar pelo meu passado e nem pelo futuro. Eu sei que o futuro é uma incerteza, mas eu estou aqui agora. Lacrimeje de alegria por saber que eu não tenho medo de você. Eu tenho medo de te perder, mas eu vou ficar. Eu quero você. Só você. Vou continuar onde estou e quando nós vermos, já vou ter ficado a vida inteira", ele disse antes de dar um beijo no canto da boca dela.
E a menina lacrimejou de alegria, fechando os olhos logo em seguida.
"Dorme bem, amor...", eles disseram juntos e viram que a tormenta havia passado.
O furacão havia virado brisa.
E a noite podia, enfim, se encerrar.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

(Re)ver.

Você sempre foi minha certeza, meu melhor amigo. Eu lembro bem da primeira vez que eu te vi: naquela esquina do nosso antigo colégio. Todo final de aula lá estava você, lá estava eu. Trocávamos insultos que nos arrancavam risadas e eu sempre te implorava por um abraço que você sempre negava ou senão, você até que me abraçava daquele jeito meio torto que eu reclamava, mas sempre gostei. Eu falava que você não sabia abraçar e você me empurrava. Íamos embora andando, nosso caminho era o mesmo até certo ponto que eu virava uma esquininha para ir para casa da minha avó e você continuava reto. Durante o caminho, você sempre falava das minhas pernas de alicate e dos meus tropeços, eu te dava tapas nas costas e você falava: "Filha da puta, mentira, eu gosto da sua mãe" e eu ria muito. Brigávamos sério também, mas me lembro de uma vez que fomos o caminho todo abraçados depois de fazer as pazes. Você sempre foi fechado demais e lembro o tanto que me doeu quando te vi chorar no shopping, na frente de todos e eu só te olhei com o coração doendo porque fiquei sem reação. Por você ser fechado demais, lembro bem da sua mania de implicar com a minha sensibilidade, você dizia que não entendia porque eu me abalava tanto com seu jeito e eu falava que grosseria me abalava e começava a repetir sobre a sua frieza. As várias bebedeiras que já tive até hoje sempre eram melhores quando você estava por perto: a nossa dancinha enquanto cantarolávamos "vamos-beber?" e nossas noites em claro brincando ou rindo ou cantando mais ou dançando. Teve aquele dia que dez da manhã eu estava deitada no seu colo e do nada soltei um "Mimimi" e você estava meio dormindo e gargalhou sonâmbulo enquanto a TV passava algum desenho animado baixinho. E chegou o dia que você teve que ir embora pra bem-longe-daqui. Nunca te contei, mas depois daquele abraço demorado que nós demos na sua festa de despedida, eu cheguei em casa trêmula e chorei como um bebê. É inevitável um distanciamento das almas quando a distância física surge, mas nós continuamos, lembro de você dizer que estávamos a "uma mensagem no celular de distância" e eu sempre concordei. Eu te ligava bêbada e pedia para você dizer que ainda gostava de mim e você falava que isso não era preciso falar e logo depois falava: "Shiu, não me pede prova de amizade". Você me mandava mensagem contando o que havia feito naquela noite de sexta-feira quente e eu ria porque você não havia saído com a loira-gatíssima porque tinha esquecido o dinheiro em casa. Você já me magoou demais desde que se foi pro lado de lá, mas nada foi o suficiente para me fazer deixar de sentir essa imensidão de carinho dentro de mim. Nos últimos tempos, a certeza permanece, apesar de você já não aparecer tanto assim. Mas eu só queria te dizer umas oito vezes seguidas o tanto que você significa pra mim. A saudade está grande e a vontade de te abraçar — daquele jeito meio torto — está maior ainda. Não me esquece, por favor. Eu preciso muito te (re)ver.

domingo, 23 de outubro de 2011

Universo Paralelo.


Pisquei os olhos e me vi combinando com você o nosso futuro. O meu futuro, mesmo nessas nossas conversas, é meio incerto: ainda não sei se vou ser hippie, bióloga ou psicóloga. Eu preferiria ser o primeiro, dirigir uma kombi e te pegar pelas mãos sem preocupações. Mas não será bem assim...Você vai fazer medicina e será o mais viciado no cheiro do formol que exala pelos laboratórios dos cadáveres que você vai tanto amar. Vou te negar abraço depois das aulas de anatomia, isso já foi decretado. Você vai se formar e em dois mil e dezoito vamos nos casar. Até lá eu já espero ter dado um jeito na minha vida também. Vamos nos casar no dia quatorze de setembro, para ser mais exata. Algumas semanas depois, vamos viajar pra nossa lua-de-mel. Já falamos sobre ser em Paris, na Argentina ou na Holanda... Mas pouco importa o local se vamos mesmo é ficar trancados no quarto do hotel o dia todo — isso foi você quem disse. Teremos cinco cachorros, dois gatos e um unicórnio. O unicórnio vai se chamar Nico porque somos criativos e o resto não decidimos. Teremos dois filhos, mas você disse que quer quatro — depois eu te faço mudar de ideia —, eu sei que a menina vai se chamar Sophia porque parece nome de princesa e o menino você quem decide, mas tente colocar um nome bonito, por favor. Você vai ser o melhor pai do mundo, eu vou ser a melhor mãe do mundo. No nosso jardim, vão ter muitas borboletas e não tente discutir isso comigo. Você, como excelente médico, vai salvar nossa família quando dermos nossos ataques de hipocondria. Você vai cuidar de mim, eu vou cuidar de você. Você vai falar espanhol pra mim. Eu vou tentar falar francês pra você. Vamos ver o Sol nascer juntos. Você vai gostar de dar beijos na minha nuca. Eu vou gostar de te bater de vez em quando. Vou rir quando ficarmos bêbados juntos, mas vamos dar lições de moral pros nossos filhos serem mais responsáveis em relação a bebida. Vou te obrigar a cantar pra mim. Vou cantar pra você quando você quiser e vou fazer questão de desafinar só pra te irritar. Vou gostar de você em todos os Natais da minha vida. E sempre que eu fecho os olhos antes de dormir, consigo adicionar detalhes pra essa história que nem começou, mas parece existir há tempos. Às vezes, tenho quase certeza que existe um universo paralelo em que nós temos uma vida juntos porque só isso explicaria tantos planos e sonhos que parecem estar tão perto das minhas mãos, mesmo estando tão distantes. Mesmo parecendo tão impossíveis.

sábado, 22 de outubro de 2011

Menos, menina.


Olha, eu não devia estar surgindo agora, eu não deveria surgir, mas eu estou aqui porque preciso estar, preciso falar contigo, preciso chacoalhar seus ombros e te obrigar a olhar dentro de si mesma. Desculpe por ter vindo sem avisar, desculpe por ter entrado e sentado no seu sofá sem você me convidar, desculpe por ter te acordado do sonho. Desculpe mesmo. Vou dizer o que tenho para dizer antes que você me expulse... Tira o pé do acelerador, menina. A vida corre, sim, mas isso não significa que você precisa correr o risco de atropelar seus sentimentos da pior maneira. Tira o pé do acelerador, aperta um pouco o freio e respira fundo porque essa viagem está só começando. Não mergulhe tão fundo de cabeça e de olhos fechados, você não sabe se lá embaixo só há pedras te esperando e você não sabe dos perigos que existem nesse mar. Não voe tão alto porque a qualquer momento uma tempestade pode cair e te derrubar das nuvens. Não acredite em todas as palavras que você ouve, você já leu textos demais que afirmam que as palavras e as ações só são verdade quando andam juntos e você sabe que esses textos são sinceros . Lembre-se das histórias que já te contaram sobre corações partidos... Melhor: lembre-se do seu coração partido, tão miúdo e dolorido enquanto você chorava baixinho pelos cantos. Lembra? Lembra daquele ano que seu ursinho de pelúcia não aguentava mais te consolar porque todos os dias você sussurrava tristezas na orelha vermelhinha dele? Lembra, garota, lembra... Lembra daquela vez que você mergulhou tão fundo e quase se afogou. Lembra dos castelos de areia que desmoronaram quando você jurou que estava tendo algum progresso. Não se importe em ficar por enquanto só chutando as ondas fraquinhas que não te fazem nem cócegas. Não estou te pedindo pra fugir, estou te pedindo para ficar: fica onde você está, mas fica calma. E eu sei que é um pouco tarde para te pedir isso, mas tente não se apaixonar, menina. Não agora, não tão rápido. Por favor. Eu te imploro. Respira fundo e entra devagar nesse mar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Não vou escrever sobre você.


Eu não ia escrever sobre você porque não sei como fazer isso. Eu só sei escrever sobre pessoas que saíram da minha vida ou sobre personagens invisíveis, não sei escrever sobre você. Eu não podia escrever sobre você porque quando eu escrevo sobre alguém, eu me assusto com minhas próprias palavras e me escondo com meus papéis e fico assombrada por tempos e tempos e as palavras jorram e escapolem e me ferem e me cortam e criam coisas dentro de mim. Não gosto dos meus tracejados, mas acredito na magia deles... Por isso que eu não devia escrever sobre você: eu tenho medo. Medo de abrir espaço e dar ar para isso nascer, crescer e viver dentro de mim.

Eu juro que não podia escrever sobre você, mas noite passada eu me peguei triste, menino, a tristeza me invadiu fundo e só seu nome rondava minha cabeça. Não pense que a culpa é sua, não não, a culpa não é sua... Eu não fiquei triste por você, eu fiquei triste por mim, mas com o pensamento em você. O que eu posso dizer para te explicar melhor? Eu me senti toda atrapalhada e amedrontada, acho que é isso, entende? Não, você não entende. Se nem eu entendo, você não entende. Eu não devia escrever sobre você, mas estou aqui porque quero ver se ao menos minhas palavras alcançam algum sentido.

Eu não ia escrever sobre você, mas começou a tocar aquela música que me lembra você. Eu não ia escrever sobre você, mas falaram algo na rua que me lembrou você. Eu não ia escrever sobre você, mas você me ligou. Eu não ia escrever sobre você, mas eu te liguei. Eu não ia escrever sobre você, mas meu pensamento se inchou de tanto "você" na minha cabeça que eu me rendi. Olhei pra mim mesma e falei: "É isso que você quer? Ok! Vou escrever sobre o tal, mas depois não reclama". Eu sei o risco que eu estou correndo enquanto escrevo sobre você, mas eu sei mais ainda que minha cabeça corria o risco de explodir se eu não escrevesse. Juro que não estou exagerando, juro mesmo.

Mas agora que eu já estou escrevendo sobre você, não sei o que falar. As palavras sumiram como mágica... Três parágrafos tentando dizer algo e não dizendo nada. E o que eu poderia acrescentar? Frases sem sentidos explicando o que me faz cantarolar "você-não-sai-do-meu-pensamento"? Relatar sobre as famosas horas iguais que eu tanto tenho visto esses dias? Reescrever as coisas que você me diz e que me arrancam tantos sorrisos e risadas? Expor no papel a minha vontade de te abraçar? A minha vontade de te agradecer? Não, não, deixa tudo isso pra próxima... Agora eu só vou dizer uma coisa, agora eu só quero te pedir pra não deixar esse carinho se acabar. Não deixa, por favor, não estou pedindo para criar um mundo encantado, não é isso... Só estou te pedindo para conservar essa compatibilidade instantânea que eu senti com você. Não some, não me esquece, não foge, não desaparece: continua aqui. Só isso: continua aqui. Eu não devia escrever sobre você, mas escrevi.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Fragilidade, frágil idade.


Juntei os papéis, enxuguei o rosto e suspirei com os dentes cerrados: "Agora eu arranco isso daqui". Era uma espécie de súplica para mim mesma, eu estava suplicando por paz ou pelo menos pelo fim da guerra. Quando encostei na caneta, comecei a fazer tic-tac no botão que fazia a ponta aparecer. Tic-tac. "Mas o que está me incomodando?", tic-tac. "A vida...", uma voz dentro de mim sussurrou. E eu escrevi: "A vida me incomoda". Mas me arrependi logo depois e rabisquei com muita força o tracejado. Tic-tac. "A vida não me incomoda, as pessoas me incomodam...", eu escrevi na linha abaixo. E a voz dentro de mim perguntou: "Quem? Diz!". E niguém me veio em mente: pensei em várias pessoas e não pensei em ninguém. Rabisquei de novo. "Eu me incomodo...", escrevi e borrei o papel com uma lágrima escura. Lágrima suja de lápis de olho, papel sujo de caneta borrada. Arranquei a folha com cuidado do caderno e embolei no menor tamanho possível. Mas a voz continuou: "Escreva a razão para você se sentir incomodada por você mesma..." e eu lambi meus lábios, abri uma página aleatória em branco e tentei recomeçar a escrever. Mas nada saiu. Rasguei e embolei uma quantidade incontável de folhas, não soube dizer o que me incomodava em mim mesma e era exatamente esse o problema: o vazio.

domingo, 9 de outubro de 2011

Meduso.


Todos conhecem a Medusa: cabelos que na realidade são cobras e olhar capaz de petrificar qualquer um que fixe seus olhos nos dela. Todos conhecem a Medusa, mas apenas eu conheci o Meduso. O rapaz que não possui cobras no lugar dos fios de cabelo, aliás, seus cabelos são bem brilhantes e negros — como carvão. Nada de sobrenatural acontece com quem lhe olha diretamente nos olhos, ninguém vira pedra, o feitiço dele vai além, vai fundo. Se você o ver por aí, saiba que ele parece uma pessoa qualquer e é aí que a maldição se inicia... Então, camarada, não pense que ele é qualquer um porque ele não é. Ele é o Meduso: medonho e absurdamente irresistível.

A primeira vez que eu o vi foi num dia chuvoso em meados de algum mês que não me lembro agora: acho que foi junho, mas pode ter sido setembro... Eu havia saído de casa sem guarda-chuvas porque o Sol estava lindo no céu. Estava indo ao shopping ou a casa de uma amiga, não me lembro bem também, só sei que a chuva começou a cair quando eu estava na metade do caminho. Juro que parecia que alguém havia pedido no ouvido de São Pedro pra derramar o céu sobre a minha cabeça — onde já se viu um Sol tão lindo virar água em quinze minutos?

Tenho medo de contar essa parte da história porque logo depois que a chuva começou a cair, na esquina oposta do quarteirão em que eu me encontrava, lá estava ele com guarda-chuvas e óculos escuros. Eu abaixei os olhos porque me senti intimidada, mas eu sentia que ele estava se aproximando... Ele vindo e eu indo, eu cabisbaixa e ele com passos firmes, o campo eletromagnético dele invadindo o meu e aí aconteceu: nossos ombros se esbarraram com tamanha força que eu cambaleei e teria caído se ele não tivesse me segurado. Enquanto ele sorria pedindo desculpas, eu me mantinha hipnotizada com as mãos dele tocando o meu ombro. Ele tirou os óculos e se esforçou para que eu olhasse diretamente na sua pupila, na sua íris, nos seus cílios, na sua retina... E eu olhei. Olhei e senti o mundo caindo ao meu redor. A chuva sumiu, o chão sumiu, ele sumiu, eu sumi.

Comecei a vê-lo, então, todos os dias e em todos os lugares. Parecia alguma assombração que me perseguia. Em todas as vezes, ele se aproximava sorrindo, me dizendo um simples "Oi" enquanto retirava os óculos. Aqueles malditos olhos me provocavam as mais diferentes reações: a felicidade virava tristeza, a tristeza virava alegria, a calmaria virava tempestade, a agonia virava paz. Foi assim por meses, eu me sentia louca, mas me sentia amedrontada para dizer a alguém que um simples estranho me provocava aquelas mudanças de humor absurdas. Meses depois, já não éramos estranhos e eu tinha necessidade de vê-lo, de tocá-lo, de abraçá-lo, de entendê-lo, de desvendá-lo. Tinha necessidade porque ele se tornara o alvo do meu afeto e da minha devoção. E eu era como uma rainha ao seu lado. Planos e promessas sussurrados completavam os beijos dados no escuro do cinema. Mas eu mal sabia que isso fazia parte do feitiço, do sonho — ou seria pesadelo? Não lembro bem quando, não lembro bem onde — acho que ele teve o poder de mexer com as minhas memórias também —, mas um dia ele simplesmente sumiu. Evaporou. Não deixou carta, não telefonou, não mandou recado pelo vizinho, nem por pombo correio: nada. Nesse dia, senti um tremilique esquisito e comecei a chorar enquanto sentia uma dor no peito.

Eu ainda acho que preferiria virar, literalmente, uma pedra ao olhar nos olhos da Medusa do que ter vivido uma história ao lado do Meduso e ter tido, no final das contas, meu peito petrificado. Tome cuidado se o ver na rua, não deixe que ele encoste em você e nem acredite nas promessas do amanhã. Eu acreditei, eu o olhei nos olhos, eu me deixei ser tocada e estou aqui: parada, sem ninguém, tentando achar uma forma de quebrar essa maldição. Não é atoa que seu nome começa com M de medo e termina com O de obsessão.

domingo, 2 de outubro de 2011

Carta ao ilusionista.


A vida me impossibilitou de seguir te amando, meu amor, eu queria ter me mantido nessa insanidade para o resto dos meus finitos dias, mas foi a vida quem me puxou para longe. Eu te gritei enquanto pude, mas minha voz sumiu. Foi amedrontador... As lágrimas ardiam enquanto eu era arrastada e o vento batia forte contra meu rosto, a minha garganta se cortava sozinha enquanto eu gritava de maneira inaudível. Por mim, eu teria me equilibrado nessa corda bamba segurando a sua mão, mas eu sei que você gosta de pisar em terra firme e por isso me chamou para a realidade. A culpa não é só da vida então, a culpa é também sua. Foi você quem me deu a mão e me chamou para me juntar ao seu circo e apesar do medo, eu te acompanhei porque confiei no seu olhar de ilusionista. Olhar profundo, olhar hipnotizante, olhar amedrontador... Você me provocou tantas ondas elétricas e agora só sinto calafrios ao olhar seu retrato que ainda não tive coragem de jogar fora. Queria uma explicação para tantos adeus em poucos minutos, para tantas rasteiras no início do show... Estávamos só começando, você sabe bem, não é? O circo havia sido montado, havíamos feito a primeira apresentação juntos, mas você desistiu antes do fim do espetáculo. Ainda me lembro bem da cena: todas as luzes se apagaram, você sumiu e a plateia sumiu, mas uma luz branca ainda me iluminava e eu estava parada no meio do lugar sozinha e chamando seu nome. Depois suas risadas começaram e você me pediu para partir. Eu chorei e implorei para que me mostrasse meu erro, mas você não o fez. Disse que eu era perfeita, mas que o fim havia chegado. Ah, meu amor, quando disse que eu era perfeita, eu queria ter te abraçado e te pedido para te esperar atrás das cortinas... Mas sabia bem que você não aceitaria. Você gosta do sentimento exposto, da carne exposta, dos beijos expostos e eu não seria perfeita atrás das cortinas porque não era ali que você achava que eu deveria ficar. O meu lugar era outro espetáculo, então? Era aquilo que você dizia sem dizer. Perdoe-me se falhei, se não domei bem os leões ou se falhei nos trapézios, mas se eu falhei foi tentando acertar, se eu falhei foi tentando te impressionar. Você usou seu ilusionismo para me atrair pra perto e depois usou seu lado humano para me jogar para longe. Meu peito está ardendo sem você e ainda escuto suas chamadas, às vezes me pego dançando na ponta dos pés e sorrindo para o seu retrato: acredito que você fez magia e se petrificou na moldura para me observar todos os dias. Não direi adeus nunca.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Sente o céu, repara o mar...


A verdade é que eu não te conhecia, trocávamos palavras de vez em quando, mas eu não sabia nada de você. E mesmo assim, eu construí um carinho inusitado pela sua pessoa. Carinho dos grandes, carinho dos fortes. Quando eu te via falando da sua tristeza, eu só sabia ficar triste também. Dava vontade de te abraçar e não largar nunca, mas como? Eu nem te conhecia. Mas a vontade de te mostrar esse carinho todo era gigantesca e eu tinha que recorrer às palavras, era a única forma de chegar até você... Era rotina te escrever alguma coisa e às vezes, nem mandar. Mas o que eu mandava era um misto de carinho com gratidão, uma amostra mínima. Gratidão por você ter aparecido pra me dizer coisas tão lindas quando eu mais precisava. Uma vez você disse que a minha alma era linda e por isso você me admirava, você nem me conhecia e ainda assim, foi uma das coisas mais lindas que já me falaram. Tantas outras vezes você aparecia só pra falar alguma coisa que me animasse, qualquer coisa. Eu queria entender como pude ter essa amizade-platônica com você por tantos meses e queria entender porque eu não me dei a oportunidade de te conhecer direito antes... Agora você já faz parte da minha rotina, tão pouco tempo que parece muito já. Esses dias, eu experimentei o que era ver você falar que estava triste diretamente pra mim e me doeu, sabia? Mais do que antes, bem mais e apesar de agora conversar com você, ainda é impossível te abraçar. Eu só escrevi tudo isso para que você saiba que eu te admiro muito, que a sua alma é mais do que linda, que você é mais do que linda e que eu te abraço e te cuido de longe todos os dias. Desculpa por ser a pessoa mais chata que você conheceu nos últimos tempos e desculpa se eu pareço precipitada demais, mas eu posso terminar esse texto te chamando de amiga? Eu não vou afastar suas dores sempre que elas chegarem, mas eu estarei sempre com você mesmo estando do outro lado, viu?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Querido Damião,

Desisti de te chamar de "amor" como eu fazia nas madrugadas geladas enquanto você colava seu corpo ao meu. Desisti de muitas coisas desde que você saiu por aquela porta, sabe? Desisti de enxergar leveza e de apostar na profundidade. Risquei tantas coisas da minha vida, mas não te risquei. Ah... Isso não, isso nunca. Agora viro as noites vendo sua silhueta no escuro do quarto e me perguntando se você está voltando porque há tempos você me disse que se um dia fosse embora, voltaria rapidamente. Acho que você esqueceu de acrescentar o "exceto" essencial no final dessa frase, algo como: "...exceto se eu não te amar mais". Mas eu estou confusa, Damião, não sei se você me ama, não sei se deixou de me amar. Você me carregou nos seus ombros todos esses anos e me vez ver o mundo mais colorido, me fez ver além... Igual aquela canção que você cantarolava enquanto dedilhava meu violão sem nem saber o que estava fazendo. Ah, amor — eu menti na primeira frase dessa carta, desculpe —, eu não queria que você tivesse batido a porta daquele jeito... Eu queria que você tivesse me pegado pelos dedos e me levasse para o sofá me falando "te-acalma-menina-louca-já-já-a-gente-se-ajeita", igual você fez daquela vez que eu chorei porque você me comparou a seu ex-amor. O pior é que eu nem me lembro da nossa última briga, não lembro a razão dela ter existido, só lembro do momento que eu me toquei que você havia partido... O que eu preciso fazer pra você voltar pra casa, Damião? Eu te peço desculpas, eu te faço lasanha e dou o Teddy pra minha mãe. Não sei, não posso te prometer muita coisa, mas eu me prometo pra você. Ai, amor, desculpa, desculpa, desculpa. As lágrimas borraram o papel e eu nem sei mais o que estou falando. Esquece tudo que eu disse... Só volta. É tudo que eu peço: volta.

Com carinho,
Letícia.

sábado, 10 de setembro de 2011

Dois patinhos fora da lagoa.


Numa conversa casual, minha mãe veio me contar que ontem iria fazer 22 anos de casada com meu pai se eles ainda estivessem juntos... Eu bebi um copo d'água e tentei não pensar nisso e consegui. Até deitar a cabeça no travesseiro. Quando eu estava pegando no sono, me veio uma pergunta em mente: O que leva um amor a se acabar assim?

Eu era criança, mas me lembro de olhar para os discos de vinil dos Beatles, Kid Abelha e tantos outros com pequenos escritos finalizados em um eu-te-amo.
Lembro de espiar pela fresta da porta da sala e vê-los se beijando dançando e aí eles me olhavam, gargalhavam e eu saia correndo.
Lembro das fotos do casamento. Onde é que elas foram parar, meu Deus?
Das alianças douradas.
Lembro das brigas também, é claro...
Lembro daquela rotina gostosa de esperá-lo na porta do trabalho, ganhar um beijo no rosto e depois vê-lo cumprimentando ela carinhosamente.
Lembro até certo ponto...
Mas tem um momento na minha mente que tudo isso se apaga.
E tudo que se passa dentro de mim é aquele dia de agosto de dois mil e sete: nós-vamos-nos-separar.
Eu fiquei triste nesse dia. Chorei... Ô, eu sofri demais. "Acabou, acabou", eu pensava.
Achei que era o fim do mundo.
Mas eu vejo que o amor ainda é eterno. Na memória, em mim e na minha irmã.
Quer prova mais bonita de um amor do que duas filhas tão amadas por duas pessoas tão incríveis?

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Replay,


O Sol entrava pela janela e me chamava para mais um dia, mas enquanto abria os olhos e retomava a consciênca, eu reparei que não ouvia os barulhos de carros na rua, ouvia apenas alguns latidos dos cachorros e o canto dos pássaros. Olhei para o quarto que eu estava... Eu conhecia muito bem aquele quarto, mas há tempos eu não dormia ali. Eu me encontrava no meu antigo quarto da minha antiga casa.

Fui coçar os olhos e soltei um grito abafado, minhas mãos estavam bem menores que o normal. Sentei-me em minhas cama e meus pés não alcançaram o chão. Minhas pernas estavam minúsculas, meus pés pareciam miniaturas. Pulei da cama e fui até o corredor da casa com a intenção de me olhar no espelho, mas este estava alto demais e tudo que eu consegui foi observar a parede verde água. Comecei a ouvir passos vindos da sala e me virei, minha mãe estava se aproximando e me pegou no colo quando chegou mais perto, conversando comigo como se eu fosse uma criança... E era exatamente nisso que eu havia me transformado.

Ela me levou para a sala e observei a vitrola que tocava algum disco dos Beatles, eu queria falar que adorava aquele disco, mas só consegui rir enquanto ela me colocava no tapete e falava que iria fazer almoço e que eu deveria ficar brincando quietinha. Antes que ela se retirasse, meu pai apareceu na sala também e eles se beijaram sorrindo. Mas eles não tinham se separado? Eu tenho certeza que sim, mas sorri observando aquela cena. De repente, minha irmã apareceu correndo na sala com um chocalho na mão. Meu pai e minha mãe a colocaram perto de mim e ela começou a sorrir, quando eles se retiraram da sala, ela falou comigo:

— Nem acredito que deu certo essa história de voltar no tempo... Até ontem eu tinha vinte anos e você dezessete.
— Que história? — Perguntei intrigada.
— Não importa, o que importa é que voltamos.

Fiquei boquiaberta, mas ela não pensou duas vezes antes de me pegar pela mão e me levar para o quintal de casa. E eu comecei a sentir tudo de novo: o prazer de pisar descalço na grama verdinha, o calor gostoso do Sol batendo no rosto com o vento bagunçando meus poucos cabelos, os cachorros correndo atrás de mim e as risadas... Tantas risadas por motivos pequenos. Passei o dia todo com minha irmã no quintal, só entramos para comer algumas besteiras ou para nos sentarmos um pouco na sala ouvindo a vitrola. Quase no fim da tarde, meus três primos chegaram e juntaram-se a nós. Éramos de novo aquele grupo de cinco crianças que não tinham nenhuma obrigação além de se divertir.

Antes que eu percebesse, acordei. E chorei.

domingo, 4 de setembro de 2011

Ah, menino...


Eu sei de tudo, meu amor, eu sei do seu passado e dos seus romances que nunca chegaram a lugar algum. Eu sei da sua vontade de amar e do seu mais recente amor surrado e desperdiçado por aquela que você prefere não citar o nome. Seu medo de pular nesse mar é totalmente compreensível, acredite. Eu te entendo porque eu também sou assim. Já vooei e me despedacei no chão, já nadei e me afoguei, já corri e tropecei. Já aconteceu de tudo comigo, menino, mas eu estou viva. E você também. Sabe-se lá quem de nós dois voou mais alto ou nadou mais fundo, mas não importa, o que importa é que nos ferimos e sobrevivemos.

Sobrevivemos e estamos aqui. Estou aqui e estou feliz, meu caro. Você acredita? Eu não consigo acreditar que ao seu lado meu medo é menor que minha felicidade. Eu quis te dizer isso enquanto você me embalava no seu colo e traçava minha boca com seus dedos, mas eu só fechei os olhos e senti meu peito lotado de algum sentimento que eu não sentia há tempos. Eu sei que se eu falar, vou te assustar, você vai fugir e eu não quero te ver correndo pra longe. Somos fortes juntos. Depois de tantas tristezas nessa sua rotina que eu acompanhei de perto e depois de tantas tristezas na minha rotina que você acompanhou de perto... Transformamos tudo em força.

Não somos um casal, mas somos duas pessoas que juntas são bem melhores. Sou melhor com seus beijos atrás da minha orelha, no início da nuca. Você é melhor com minhas mordidas no seu ombro. Nós somos melhores cozinhando e bebendo vinho. Sou melhor nos domingos de manhã quando acordo com seus braços ainda ao meu redor. Você é melhor quando faz um pequeno drama me pedindo chamego. Somos melhores de manhã do que à tarde, isso eu tenho certeza, mas à noite nós somos incríveis e quando chega a madrugada, tenho impressão de que somos infinitos, invencíveis ou um casal... Um casal que não é um casal de verdade, mas que é bem melhor junto.

Por isso, eu repito que eu sei bem. Eu não criei um amor por ti aqui dentro, eu criei "nós". Inaugurei um espaço dentro de mim só para você, um espaço na minha memória só para nós dois e palavras na minha boca só para seus ouvidos. Sussurrarei enquanto puder que te quero e que te quero bem. E eu sei que em resposta você me dirá o mesmo de sempre, também: te quero agora. Agora, meu amor. Não me interessa o depois e nem nossos medos, me interessa seu sorriso agora. Vai, olha para o seu ombro direito, me veja encostada em você e pra finalizar, sorria pra mim. E feche esse texto, oras, venha aqui me dar um beijo.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Varanda.


Estava cedo e estava calor, o Sol invadiu minha janela antes das oito da manhã e me obrigou a tomar uma ducha e me lembrei que você disse que viria... Enquanto a água caia sobre meu rosto, eu ri e quase gargalhei porque era óbvio que você não apareceria. Vesti a roupa mais leve que eu tinha e fiz um chá gelado. Eu sabia que você não viria, mas no fundo, eu queria mesmo estar errada e por isso peguei minha xícara e me sentei na varanda. Observei o sábado começar pra muitas pessoas... Vi a senhora da casa da frente limpando a grama, o rapaz da casa ao lado passeando com seu cachorro, um homem saindo para o trabalho. Vi a vida deles se movendo enquanto eu estava sentada na varanda. Eu podia ter ido ao parque porque você não apareceria de qualquer forma, mas do tanto que eu queria estar errada, eu resolvi ficar em casa pensando vai-que-ele-me-surpreende-dessa-vez. Sou uma completa idiota, eu sei bem. Meu cachorro sentou ao meu lado e me olhou triste porque ele sabia que você não apareceria, eu afaguei a cabeça dele, disse que podíamos estar errados e ele rosnou pra mim. Minha amiga me ligou e me chamou pra fazer umas "comprinhas" com ela, mas eu disse que não podia e fiquei em silêncio e ela jurou me matar se eu tivesse esperando por você porque ela tinha certeza que você não iria chegar. Mesmo com todos os pensamentos negativos, ainda sentada na varanda eu ensaiei diálogos para nós. Diálogos ruins, diálogos felizes, brigas, irritações, sorrisos... Mas queria me enfiar na frente do caminhão do lixo quando ouvi o barulho. Onde já se viu? Eu estava acreditando que você apareceria... Que patética. Comecei a ficar com fome e por isso corri na cozinha, preparei um sanduíche e fui comê-lo na varanda. Horas se passaram e eu continuei na varanda. O vento ficou forte, mas eu continuei na varanda. Continuei na varanda te esperando. Até que meu celular vibrou acompanhado dos dizeres em sua mensagem: "Desculpa, mas não vai dar". Mas eu continuei na varanda chorando enquanto eu observava o dia sumir na minha frente... Um dia perdido te esperando. Eu sabia que você não viria, mas eu queria estar errada. Ou queria pelo menos um telefonema. E a noite nasceu, eu ainda estava na varanda... Meu cachorro se deitou no meu colo e me suplicava em silêncio para parar de chorar. Mas eu não conseguia. Até que surgiu um farol no meio da escuridão e você abriu a porta. E nos beijamos e você se desculpou pela brincadeira sem graça. Mas eu acordei na varanda. E demorei a entender o que tinha acontecido: Dormi por algum tempo e você finalmente havia aparecido. Nos meus sonhos, apenas.

Dear,

Você superou as expectativas quando apareceu. Em um momento, eu estava um pouco tímida com a primeira conversa e depois você já dizia que ia me dar uma porrada. Maldita ou bendita quase-porrada que me arrancou tantas risadas e me fez ter a certeza de que você tinha chegado pra ficar. Tinha vindo pra me fazer ter certeza de que algumas coisas valem a pena mesmo na distância. Seria estranho se eu tivesse dito que já amava sua amizade na primeira conversa "demorada" que nós tivemos? Eu sei que seria, mas enquanto nós nos despedíamos era isso que eu queria dizer. A minha rotina agora tem seu nome no meio porque se não tiver tem algo muito errado. Eu poderia citar nossos momentos aqui, mas não é isso que eu quero fazer... Eu só quero falar como diz naquela música que "eu-acertei-o-pulo-quando-te-encontrei", mas por favor, ignore o resto da letra senão vai soar meio lésbico, querida. O mundo ao meu redor estava desabando e foi você quem reconstruiu, quem me fez rir enquanto cantava Unidunitê. Você está tão longe, mas está mais perto do que esses estranhos que eu vejo todos os dias... Estranhos que nada me acrescentam, estranhos que nada importam, tantos estranhos que se somados não valem uma "você". Eu trocaria eles por você, se eu pudesse. Eu estaria por perto se eu pudesse. Eu tenho certeza que você veio pra ficar, tive essa certeza na nossa primeira conversa e tenho todos os dias... Você é um pedacinho que faltava em mim. Não sei como te agradecer pelas risadas, pelas brincadeiras na madrugada, pelos desabafos. Sinta-se abraçada a todo instante que você se sentir sozinha porque eu vou estar com você. Eu amo você, menina bezerra. E uma pergunta simples: tem irmão?

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

É uma impossibilidade, querido.


Não acredito em quase nada que me diz. Gosto das suas histórias, do seu sorriso e do seu cheiro no canto da nuca quase na curva do ombro, gosto mesmo. Mas não acredito nesse amor. Não acredito quando diz que me ama, mas sorrio e vez ou outra até consegue me arrancar uma risada quando faz planos para conhecer meus pais e me pedir em casamento. Acho impossível você ter me amado assim, acho difícil eu te amar a qualquer momento... Repudio mentiras e por achar que mente, acabo repudiando você. Não que eu não goste de você, você sabe que não é isso, gosto de você, te acho um cara culto que leu mais livros do que meu pai e olha que meu pai já leu livros demais, te acho lindo, mas repudio essas suas palavras que parecem ensaiadas, clichês que se encaixam tão bem ao que eu acabei de dizer. Isso me causa arrepios, me faz suspirar de agonia, não quero ouvir essas palavras, rapaz, não quero. Vamos falar sobre nosso dia, deixa eu te conhecer direito, mas não venha me falando que eu sou linda demais ou que meu sorriso é encantador, não faz isso achando que eu vou perder as palavras e te admirar porque eu não vou. Eu não vou ficar sorrindo boba enquanto você me diz tais palavras, eu nem mesmo me arrepio quando diz algo do tipo, então desista e me conta quais aulas você teve hoje, se teve prova ou se matou alguma aula para fumar um cigarro, vai! Me fala que eu quero rir das suas aventuras. Minha armadura pra esse tipo de coisa já é forte demais, não me abalo, não cantarolo por sua causa quando acordo e nem choro por causa disso, eu só te observo quieta e penso que somos impossíveis. Não minta, não me bajule, não perca suas palavras comigo porque eu já acreditei demais nessas mesmas palavras vindas de outras bocas e eu me queimei, ardeu e até hoje você vê uma marca vermelha em mim, então desista, meu amor. Pode cantar suas músicas, mas não brinca mais com tudo isso. Não acredito que eu possa me apaixonar por você. E não é discurso de gente fechada que não quer amar de novo e acaba se apaixonando por quem menos espera, não mesmo, é discurso de gente que tem vontade de se apaixonar, mas sabe bem quando as chances existem e sabe bem quando essas são inexistentes. Com você elas são inexistentes, impossíveis. Somos impossíveis, minha doce impossibilidade. Acredite em mim, é melhor.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

505.

Ele estava arrumando as malas tranquilamente. Estava no quarto andar de um prédio situado no centro de Londres: viagem extensa demais à trabalho. Reuniões, pouco tempo para falar ao telefone com aquela que ele havia deixado nos Estados Unidos. Depois de trezentos e oitenta e sete dias e uma única visita ao seu lar, ele finalmente estava vestindo sua jaqueta de couro preta, seus jeans surrados e estava arrumando as malas para voltar de vez. Ele estava calmo, o estresse havia ido embora porque depois de tanto tempo, ele voltaria para o apartamento 505 no centro New York. Seria uma surpresa para ela, seria um alívio pra ele... Chega um ponto em que a dor da saudade se externaliza e se torna uma dor física, o certo seriam quatrocentos dias de trabalho, mas ele tinha que ir embora porque o coração estava implorando.

Enquanto isso, do outro lado do oceano, ela estava chegando de mais um dia exaustivo de trabalho. Estava chegando com o mesmo desânimo de sempre. Abriu a porta do apartamento e não tinha ninguém para lhe dar "Oi" com um beijo ou para falar que havia um café pronto se ela quisesse beber enquanto observava a cidade conversando. Era ela e ela mesma, apenas. Quem ela mais precisava, estava muito longe dali, mas ela nem sonhava que enquanto ela estivesse dormindo naquela noite, ela teria uma surpresa.

Depois das malas prontas, ele colocou seus óculos escuros e foi para a porta do prédio esperar um táxi. Em menos de uma hora, ele já se encontrava dentro do avião. 7 horas voando seria uma eternidade. Era preciso muito mais do que paciência para que ele suportasse uma viagem tão longa. Encostou-se no seu assento e sorriu involuntariamente imaginando-a deitada no canto esquerdo da cama, encolhida, com o rosto virado para a janela fechada. O sorriso sumiu quando ele pensou na tristeza dela, estava cansado de ouvi-la reclamar de sua ausência, de lembrar de quando a ouviu chorar a única vez que ele havia ido visitá-la nesse tempo falando que ele poderia muito bem arrumar um emprego novo perto de casa... Só agora ele tinha percebido que era exatamente aquilo que ele tinha que fazer.

Ela já havia jantado, já havia arrumado a cozinha e já havia limpado um pouco os móveis. Era isso que ela fazia quando nenhuma amiga ia visitá-la ou a chamava para o jantar, era aquela solidão gigantesca que ela sentia. Aquela vontade de gargalhar, mas não ter razão nenhuma pra isso. Ela sabia que ele não ligaria de novo porque ele chegava cansado e ia dormir e o fuso horário não batia e todas aquelas desculpas. Mas ela o amava apesar de tudo... E com aqueles pensamentos, ela tomou um banho quente e foi se deitar. Deu uma lida rápida no livro de cabeceira e sussurrou palavras apaixonadas na esperança de que ele ouvisse, desejou também que esses últimos dias passassem rápido para que ele voltasse logo. Mas nem imaginava que ele estava descendo em um aeroporto há 45 minutos da sua casa...

E a viagem havia chegado ao fim. Sentiu o cheiro da cidade e pensou que apesar de ter que dirigir 45 minutos ainda, ele estava satisfeito por finalmente ter chegado em casa. Alugou um carro rapidamente e iniciou sua pequena viagem até aquele prédio localizado na esquina do último quarteirão da rua com um jardim em frente, com uma pintura desgastada e com um apartamento no quinto andar que significava mais do que tudo pra ele. Já era madrugada e o sono estava se apossando dele, mas ele mantinha os olhos fixos na rua com uma ansiedade absurda de chegar em casa.

Depois de dirigir por longos minutos, ele estacionou na porta do prédio. Suspirou, fechou os olhos e sorriu para si mesmo. Olhou para as janelas do quinto andar e todas as luzes estavam apagadas. Continuou sorrindo. Pegou suas malas no banco do passageiro e apertou o botão que trancaria o carro. Pronto. Abriu o portão da frente com certa dificuldade e se dirigiu ao elevador que já estava no térreo. Entrou e apertou o 5. O coração dele estava batendo numa velocidade assustadora e ela estava num sono profundo, sem imaginar o que acontecia do lado de fora do apartamento. Ele desceu do elevador e abriu levemente a porta do apartamento. O sorriso não queria sair de jeito nenhum de seus lábios. Trancou a porta e deixou as malas no chão da sala mesmo. Não acendeu nenhuma luz e foi pisando na ponta dos pés até o quarto dos dois, conhecia muito bem aquele chão para saber onde havia obstáculos. Não fez nenhum ruído e viu a silhueta dela dormindo, tirou sua jaqueta preta e a jogou no chão. Ficou apenas com a blusa branca e seus jeans enquanto se aproximava da cama. Se deitou cautelosamente e tampou os olhos dela enquanto depositava um beijo em sua nuca. Ela ainda estava sonolenta e não havia entendido muito bem, parecia algum sonho. Mas ela despertou e tateou seus olhos — a mão dele ainda estava lá:

— Z-zack? — Ela gaguejou sentindo o peito ferver.
— Lisa. — Ele sussurrou.

Lágrimas saíam continuamente pelos olhos dela, um pouco pela tensão e um tanto pela felicidade. Ela rolou na cama e se virou de frente para ele: podia reconhecer muito bem aquela silhueta mesmo no escuro. A espera havia chegado ao fim e o reencontro havia acontecido. Finalmente.