domingo, 11 de dezembro de 2011

Foi só a música.

A verdade é que ela já nem se lembrava dele, não havia razão para lembrar. Ele também não se lembrava dela porque já não via mais sentido em manter sua vida fixada num passado muito distante. Eles não lembravam um do outro. Mas quando ela deitava a cabeça no travesseiro, ela sussurrava baixinho cadê-você e ele, do outro lado da cidade, rolava pela cama sentindo falta de um corpo para abraçar. Um corpo não, o corpo. O corpo dela. Mas eles não se davam conta disso e seguiam sempre em frente sem olhar para os lados, sem olhar por cima dos ombros, sem demonstrar qualquer sinal de remorso pelo fim.

Naquele momento, ela se debruçou sobre o parapeito da janela e fechou os olhos enquanto ele rondava a cidade em seu carro. Ela se manteve daquela forma por minutos ou horas, talvez, não saberia dizer enquanto ele se manteve rondando a cidade por minutos ou horas, quem sabe? Ela ajeitou seu vestido e voltou seus olhos para dentro do apartamento e a visão ficou um pouco embaraçada com aquela mistura instantânea de claridade e escuridão. Ele parou em um posto de gasolina só por parar, não fez nada além de esticar os braços, retirar os óculos escuros e sentir a visão um pouco embaraçada com aquela mistura instantânea de claridade e escuridão.

Ela arrumou sua cama, jogou água nas plantas, se olhou no espelho e se achou linda. Ele se olhou no vidro retrovisor do carro e se achou um lixo com aquela barba mal feita e aquelas olheiras. Ela precisava ligar o rádio para cantarolar enquanto arrumaria algo para comer. Ela ligou o rádio e começou a tocar aquela velha canção, como se chamava mesmo? E por falar em saudade, onde anda você? Ele precisava ligar o rádio para buscar algum consolo na voz de qualquer cantor. Ele ligou o rádio e estava tocando aquela velha canção, como se chamava mesmo? E por falar em paixão, em razão de viver, você bem que podia me aparecer.

Ela pensou em ir até o telefone, mas não. Ele procurou o celular nos bolsos da jaqueta, mas não. Mas sim. Achou. Discou. Ela ouviu o telefone tocar e pensou que coincidência grande, meu Deus, quem será? Abaixou o rádio e atendeu.

— Alô?
— Alô?
— Que coincidência, estava me lembrando de você.
— Mesmo? Pois eu também.
— Por quê?
— Por quê?
— Tocou uma música no rádio que me lembrou tanto você. Responda você agora.
— Isso que aconteceu comigo também. Que coincidência.
— Sim, que coincidência. Foi só a música?
— Não sei, foi só a música?
— Foi só a música.

Desligaram. Não havia sido apenas a música. As gargantas ficaram secas, os cigarros foram acesos, o céu ficou nublado instantaneamente, palavras permaneceram emboladas e Vinicius de Moraes continuou repetindo na mente de cada um: e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade onde anda você e por falar em saudade. Onde. Anda. Você? 

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