quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A menina das asas quebradas.

Ela se manteve parada diante do espelho com certo pavor ao se encarar diretamente. Mais um dia estava começando normalmente até ela se olhar no espelho. Não podia acreditar naquele defeito inaceitável. Não podia se encarar e nem suportaria os olhares que lhe lançariam. As lágrimas desciam pelas bochechas rosadas, pela pele de porcelana enquanto ela se virava de costas para o espelho. O que falariam dela? O que falariam para ela? Erros assim são imperdoáveis, mas ela nem lembra onde havia errado afinal. Vestiu seu melhor sorriso e saiu. Saiu sem saber direito aonde ir, não iria para os lugares de sempre, mas também não tinha outros lugares para ir.

Tentou esconder suas falhas, mas em vão. Enquanto ela caminhava todos na rua a encaravam abismados. Como aquela menina tinha perdido aquele pedaço de asa? Nem ela saberia dizer. Acordara daquela forma e não conseguia se perdoar por ter deixado escapar um pedaço tão grande de si mesma. Ela estava andando meio cambaleando para a esquerda porque a asa deste lado pesava mais que a outra. Queria mandar todos calarem seus pensamentos enquanto ela caminhava cabisbaixa. Queria encontrar um par de asas novas ou qualquer consolo, mas era impossível no meio de todos aqueles outros perfeitos e completos.

Ela continuou andando em frente e passou a ignorar os olhares julgadores. Ela já estava se odiando o suficiente para ter que aguentar os julgamentos dos outros. Avistou, finalmente, um banco vazio e sem ninguém ao redor. Atravessou a rua sem olhar para os lados e se sentou. Suspirou com um misto de agonia e alívio enquanto torcia o pescoço para observar suas asas. "Pobrezinhas...", ela balbuciou tremendo os lábios vermelhos. "O que foi que eu fiz conosco?", ela se perguntou deixando as lágrimas escorrerem novamente.

Quando conseguiu parar de chorar e ficou estática no banco, lançou seu olhar para o outro lado da rua. Não havia ninguém além de um rapaz. Um rapaz alto de sorriso torto, cabelos perfeitos e asas quebradas. Ele manteve suas mãos no bolso enquanto olhava para a menina sorrindo. Pensou em chamá-la, mas decidiu que seria melhor ir até ela. Sacudiu os ombros e atravessou a rua sem olhar para os lados também. Apontou para o espaço vazio do lado esquerdo do banco como quem perguntasse se podia se sentar e a menina apenas fez que sim com a cabeça enquanto passava as mãos pelos olhos. Ficaram sentados um do lado do outro em silêncio por um longo tempo. Depois de longos minutos, ele falou:

"Doeu?", ele apontou para as asas dela.
"Perder aquele pedaço?", ela perguntou molhando os lábios com a língua logo em seguida. Ele assentiu com a cabeça e ela prosseguiu. "Não, nem me lembro como perdi... E o seu?".
"Doeu e doeu muito...", ele forçou uma careta e se remexeu calmamemente.
"Sinto muito", foi tudo que ela soube dizer. Não queria entrar em detalhes, não se achava nesse direito.
"Está tudo bem.", ele também não sabia muito bem o que falar. "Ser assim é normal.", ele procurou as palavras e quando as achou, soltou-as de uma vez. "Foi um choque para mim quando eu me vi sem as minhas também, mas eu sabia que o que viria a seguir era grandioso. Pelo menos era o que diziam as lendas.", ele sorriu encostando na bochecha dela.
"O que veio a seguir? Quais lendas?", um olhar de dúvida foi lançado.
"A lenda das asas quebradas. Como nunca ouviu?", agora fora a vez dele de lançar para ela um olhar de dúvida. "Dizem que quando suas asas se quebram, você tem a chance de se camuflar e esconder sua imperfeição. Desde que você proteja uma pessoa o máximo que puder até que o inevitável aconteça e as asas dela se quebrem também.", ele suspirou e prosseguiu. "E dizem que depois os dois podem se reconstruir juntos.", ele fixou seus olhos verdes nos olhos mel dela.
"Quem você protegeu e por quê suas asas não estão reconstruídas?"
"Ora, não está claro? Eu protegi você. Há anos minhas asas se quebraram e eu escolhi te proteger. Não sei por qual razão, mas escolhi. E eu te protegi. Foi minha grande missão por anos e anos. Até que ontem, por um discuido meu, enquanto você dormia você perdeu um pedaço da suas asas. Eu me senti péssimo, mas fico mais aliviado que não tenha doído em você.", ele sorriu e ela o olhava boquiaberta. "Não me olhe assim. Foram os melhores anos da minha vida. Mas só não foram tão bons quanto os que estão por vir.", ele ainda mantinha seu sorriso nos lábios.
"Agora o que vai acontecer?", ela queria fazer milhares de perguntas, mas se sentia hipnotizada por aquele que ela poderia chamar de anjo.
"Agora nós vamos nos reconstruir, menina.", ele não se conteve e entrelaçou sua mão com a dela. "Céus, como eu queria fazer isso...", ele pensou em silêncio e estremeceu.
"Como?", ela sentiu o tremor dele e tremeu em resposta.
"Venha.", ele depositou um beijo gentil nos lábios dela e se pôs de pé.

Ele a puxou pela mão e atravessaram a rua. Sem olhar para os lados.

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