O diagnóstico havia sido feito pelo melhor médico da cidade. Ele passara aproximadamente vinte noites acordado com os olhos bem abertos enquanto pensava na sua paciente e depois disso, a examinou mais oito vezes para ter certeza daquele caso raro. O único no mundo, quiçá. Como dar aquela notícia tão absurda para a família? Como explicar com palavras sensatas o que se passava com a pobre moça? Quem a olhasse nos olhos, talvez percebesse que algo estava errado, mas ninguém julgaria se tratar de algo tão grave. Quem a visse andando na rua achariam que tudo estava bem ou que ela estava simplesmente passando por um dia ruim. Ninguém — nem mesmo ela — sabia o que de fato lhe acontecia e lhe atormentava.
O doutor, então, depois de muito pensar trancado em sua sala, chamou a família e a moça. Chamou-os pra dentro e pediu que se sentassem. A mãe, um pouco trêmula, sentou segurando sua bolsa com as duas mãos firmes. O pai com um olhar bastante distante, sentou-se ao lado da mulher e repousou sua mão no ombro dela. Já a paciente sentou-se rapidamente e encarou o médico com aquelas pupilas dilatadas, aqueles olhos azuis amendoados e aquelas lágrimas acumuladas nas pontas dos cílios. E por fim, o namorado permaneceu em pé atrás dela com suas duas mãos sobre seus ombros. O médico puxou o ar enquanto aqueles oito pares de olhos o encaravam de maneira angustiante, ele mediu as palavras mais quinhentas vezes e disse:
— Pois então... — Outro suspiro foi arrancado de seus lábios.
— O que ela tem, doutor? Diz logo, não me aguento mais nessa agonia. — A mãe choramingou.
— Não sei explicar bem, não é nada físico. — Deu-lhes um sorriso amarelo e prosseguiu. — E não é nada psicológico que remédios possam curar ou que terapias possam ajudar. É algo mais profundo. — O papo estranho começara, mas ele teria que ir até o fim. — O problema está na alma da nossa pobrezinha.
— Como assim na minha alma? — Ela levou sua mão até seu ombro e tocou a mão do namorado que estremeceu com a sensação de que um bloco de gelo o havia tocado. — Com todo respeito, doutor, mas quem o senhor acha que é para julgar minha alma?
— Não sou ninguém, garotinha. Mas eu sei. Eu sei e creio que você também sabe do que estou falando. — Ele fixou seus olhos nos dela e ela desviou o olhar para deixar que uma lágrima escorresse. Ele prosseguiu olhando para os pais. — Não há cura e nunca haverá, cuidem dela como se fosse seu último dia porque nunca saberemos quando realmente será. — O silêncio prevaleceu até todos decidirem se retirar da sala do médico maluco.
Rude. A menina pensava e repitia mil vezes em sua mente o quanto aquele doutor era rude para falar daquela maneira. O namorado lhe entrelaçara a mão no momento em que saíram do consultório e não ousava soltar. Os pais foram o caminho de volta para casa discutindo o que, afinal, o médico queria dizer com toda aquela baboseira. Mas ela, ela sabia bem do que ele dizia. Ela carregava na alma o peso no mundo, carregava nos ombros o que já não lhe cabia mais no peito e carregava no fundo dos olhos o que a vida havia lhe dado. Era aquela a verdade. Qualquer um que realmente reparasse nela, saberia que ela era uma joia rara de preço inestimável, mas que não adiantaria lutarem para proteger-lhe da solidão porque a solidão era sua melhor companhia. Ela fugia de todos para conseguir botar tantos pensamentos em ordem. Ela não conseguia devorar os sentimentos pelas bordas: ou ela pulava de ponta dos penhascos com os quais se deparava ou ela não seria ela. Ela precisava da imensidão e quando não tinha o mar ou o céu, recorria aos seus sentimentos. Era aquela a verdade.
Ao perceber que a namorada não havia dito uma palavra sequer desde que saíram do consultório, o rapaz de olhar ameno e lábios finos, resolveu chamar-lhe de volta para a realidade enquanto entravam no quarto dela:
— O que ele falou que te incomodou tanto? — O jovem foi direto.
— Ele me expôs, não suporto que façam isso comigo. Como ele descobriu? — Ela tinha os lábios trêmulos e afundou a cabeça na curva do pescoço do garoto.
— Como ele descobriu o quê? Por favor, me fala. — A angústia dela estava se passando para ele que não pensou duas vezes antes de começar a afagar os cabelos dela.
— Eu estou a beira da morte, amor. — Ela sussurrou no seu ouvido e enxarcou a bochecha de ambos com suas lágrimas cristalinas.
— Não está! Não está... O médico já disse que você não tem nada físico e muito menos psicológico. O que ele quis dizer com aquele lance de alma é tudo invenção, tudo invenção. — Desesperado e desamparado ele deixou um ou duas lágrimas caírem também.
— Não, não. Você não entendeu. Eu estou a todo momento a beira da morte, mas dessa vez acho que não escapo. — Ela pousou o dedo indicador sobre o lábio deles e prosseguiu... — Não diz nada. Quer dizer, diz sim, canta pra mim aquela música que fala da escuridão...
— Meu amor, um dia você irá morrer, mas eu vou estar logo atrás... Eu vou seguir você até a escuridão*. — Ele cantou meio chorando meio sussurrando meio desesperado enquanto embalava a menina num abraço. As forças dela para soltar um suspiro forte eram escassas e só lhe restou soprar de leve enquanto sentia os braços do garoto ao seu redor. Ele a soltou um pouco para olhar dentro dos seus olhos e logo entendeu o que ela havia falado, voltando a abraçá-la em seguida e repetindo mil vezes sem pensar. — Eu vou seguir você até a escuridão...*
*Trecho da tradução da música "I will follow you into the dark" da banda Death Cab For Cutie.
O doutor, então, depois de muito pensar trancado em sua sala, chamou a família e a moça. Chamou-os pra dentro e pediu que se sentassem. A mãe, um pouco trêmula, sentou segurando sua bolsa com as duas mãos firmes. O pai com um olhar bastante distante, sentou-se ao lado da mulher e repousou sua mão no ombro dela. Já a paciente sentou-se rapidamente e encarou o médico com aquelas pupilas dilatadas, aqueles olhos azuis amendoados e aquelas lágrimas acumuladas nas pontas dos cílios. E por fim, o namorado permaneceu em pé atrás dela com suas duas mãos sobre seus ombros. O médico puxou o ar enquanto aqueles oito pares de olhos o encaravam de maneira angustiante, ele mediu as palavras mais quinhentas vezes e disse:
— Pois então... — Outro suspiro foi arrancado de seus lábios.
— O que ela tem, doutor? Diz logo, não me aguento mais nessa agonia. — A mãe choramingou.
— Não sei explicar bem, não é nada físico. — Deu-lhes um sorriso amarelo e prosseguiu. — E não é nada psicológico que remédios possam curar ou que terapias possam ajudar. É algo mais profundo. — O papo estranho começara, mas ele teria que ir até o fim. — O problema está na alma da nossa pobrezinha.
— Como assim na minha alma? — Ela levou sua mão até seu ombro e tocou a mão do namorado que estremeceu com a sensação de que um bloco de gelo o havia tocado. — Com todo respeito, doutor, mas quem o senhor acha que é para julgar minha alma?
— Não sou ninguém, garotinha. Mas eu sei. Eu sei e creio que você também sabe do que estou falando. — Ele fixou seus olhos nos dela e ela desviou o olhar para deixar que uma lágrima escorresse. Ele prosseguiu olhando para os pais. — Não há cura e nunca haverá, cuidem dela como se fosse seu último dia porque nunca saberemos quando realmente será. — O silêncio prevaleceu até todos decidirem se retirar da sala do médico maluco.
Rude. A menina pensava e repitia mil vezes em sua mente o quanto aquele doutor era rude para falar daquela maneira. O namorado lhe entrelaçara a mão no momento em que saíram do consultório e não ousava soltar. Os pais foram o caminho de volta para casa discutindo o que, afinal, o médico queria dizer com toda aquela baboseira. Mas ela, ela sabia bem do que ele dizia. Ela carregava na alma o peso no mundo, carregava nos ombros o que já não lhe cabia mais no peito e carregava no fundo dos olhos o que a vida havia lhe dado. Era aquela a verdade. Qualquer um que realmente reparasse nela, saberia que ela era uma joia rara de preço inestimável, mas que não adiantaria lutarem para proteger-lhe da solidão porque a solidão era sua melhor companhia. Ela fugia de todos para conseguir botar tantos pensamentos em ordem. Ela não conseguia devorar os sentimentos pelas bordas: ou ela pulava de ponta dos penhascos com os quais se deparava ou ela não seria ela. Ela precisava da imensidão e quando não tinha o mar ou o céu, recorria aos seus sentimentos. Era aquela a verdade.
Ao perceber que a namorada não havia dito uma palavra sequer desde que saíram do consultório, o rapaz de olhar ameno e lábios finos, resolveu chamar-lhe de volta para a realidade enquanto entravam no quarto dela:
— O que ele falou que te incomodou tanto? — O jovem foi direto.
— Ele me expôs, não suporto que façam isso comigo. Como ele descobriu? — Ela tinha os lábios trêmulos e afundou a cabeça na curva do pescoço do garoto.
— Como ele descobriu o quê? Por favor, me fala. — A angústia dela estava se passando para ele que não pensou duas vezes antes de começar a afagar os cabelos dela.
— Eu estou a beira da morte, amor. — Ela sussurrou no seu ouvido e enxarcou a bochecha de ambos com suas lágrimas cristalinas.
— Não está! Não está... O médico já disse que você não tem nada físico e muito menos psicológico. O que ele quis dizer com aquele lance de alma é tudo invenção, tudo invenção. — Desesperado e desamparado ele deixou um ou duas lágrimas caírem também.
— Não, não. Você não entendeu. Eu estou a todo momento a beira da morte, mas dessa vez acho que não escapo. — Ela pousou o dedo indicador sobre o lábio deles e prosseguiu... — Não diz nada. Quer dizer, diz sim, canta pra mim aquela música que fala da escuridão...
— Meu amor, um dia você irá morrer, mas eu vou estar logo atrás... Eu vou seguir você até a escuridão*. — Ele cantou meio chorando meio sussurrando meio desesperado enquanto embalava a menina num abraço. As forças dela para soltar um suspiro forte eram escassas e só lhe restou soprar de leve enquanto sentia os braços do garoto ao seu redor. Ele a soltou um pouco para olhar dentro dos seus olhos e logo entendeu o que ela havia falado, voltando a abraçá-la em seguida e repetindo mil vezes sem pensar. — Eu vou seguir você até a escuridão...*
*Trecho da tradução da música "I will follow you into the dark" da banda Death Cab For Cutie.