quarta-feira, 31 de agosto de 2011

É uma impossibilidade, querido.


Não acredito em quase nada que me diz. Gosto das suas histórias, do seu sorriso e do seu cheiro no canto da nuca quase na curva do ombro, gosto mesmo. Mas não acredito nesse amor. Não acredito quando diz que me ama, mas sorrio e vez ou outra até consegue me arrancar uma risada quando faz planos para conhecer meus pais e me pedir em casamento. Acho impossível você ter me amado assim, acho difícil eu te amar a qualquer momento... Repudio mentiras e por achar que mente, acabo repudiando você. Não que eu não goste de você, você sabe que não é isso, gosto de você, te acho um cara culto que leu mais livros do que meu pai e olha que meu pai já leu livros demais, te acho lindo, mas repudio essas suas palavras que parecem ensaiadas, clichês que se encaixam tão bem ao que eu acabei de dizer. Isso me causa arrepios, me faz suspirar de agonia, não quero ouvir essas palavras, rapaz, não quero. Vamos falar sobre nosso dia, deixa eu te conhecer direito, mas não venha me falando que eu sou linda demais ou que meu sorriso é encantador, não faz isso achando que eu vou perder as palavras e te admirar porque eu não vou. Eu não vou ficar sorrindo boba enquanto você me diz tais palavras, eu nem mesmo me arrepio quando diz algo do tipo, então desista e me conta quais aulas você teve hoje, se teve prova ou se matou alguma aula para fumar um cigarro, vai! Me fala que eu quero rir das suas aventuras. Minha armadura pra esse tipo de coisa já é forte demais, não me abalo, não cantarolo por sua causa quando acordo e nem choro por causa disso, eu só te observo quieta e penso que somos impossíveis. Não minta, não me bajule, não perca suas palavras comigo porque eu já acreditei demais nessas mesmas palavras vindas de outras bocas e eu me queimei, ardeu e até hoje você vê uma marca vermelha em mim, então desista, meu amor. Pode cantar suas músicas, mas não brinca mais com tudo isso. Não acredito que eu possa me apaixonar por você. E não é discurso de gente fechada que não quer amar de novo e acaba se apaixonando por quem menos espera, não mesmo, é discurso de gente que tem vontade de se apaixonar, mas sabe bem quando as chances existem e sabe bem quando essas são inexistentes. Com você elas são inexistentes, impossíveis. Somos impossíveis, minha doce impossibilidade. Acredite em mim, é melhor.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

505.

Ele estava arrumando as malas tranquilamente. Estava no quarto andar de um prédio situado no centro de Londres: viagem extensa demais à trabalho. Reuniões, pouco tempo para falar ao telefone com aquela que ele havia deixado nos Estados Unidos. Depois de trezentos e oitenta e sete dias e uma única visita ao seu lar, ele finalmente estava vestindo sua jaqueta de couro preta, seus jeans surrados e estava arrumando as malas para voltar de vez. Ele estava calmo, o estresse havia ido embora porque depois de tanto tempo, ele voltaria para o apartamento 505 no centro New York. Seria uma surpresa para ela, seria um alívio pra ele... Chega um ponto em que a dor da saudade se externaliza e se torna uma dor física, o certo seriam quatrocentos dias de trabalho, mas ele tinha que ir embora porque o coração estava implorando.

Enquanto isso, do outro lado do oceano, ela estava chegando de mais um dia exaustivo de trabalho. Estava chegando com o mesmo desânimo de sempre. Abriu a porta do apartamento e não tinha ninguém para lhe dar "Oi" com um beijo ou para falar que havia um café pronto se ela quisesse beber enquanto observava a cidade conversando. Era ela e ela mesma, apenas. Quem ela mais precisava, estava muito longe dali, mas ela nem sonhava que enquanto ela estivesse dormindo naquela noite, ela teria uma surpresa.

Depois das malas prontas, ele colocou seus óculos escuros e foi para a porta do prédio esperar um táxi. Em menos de uma hora, ele já se encontrava dentro do avião. 7 horas voando seria uma eternidade. Era preciso muito mais do que paciência para que ele suportasse uma viagem tão longa. Encostou-se no seu assento e sorriu involuntariamente imaginando-a deitada no canto esquerdo da cama, encolhida, com o rosto virado para a janela fechada. O sorriso sumiu quando ele pensou na tristeza dela, estava cansado de ouvi-la reclamar de sua ausência, de lembrar de quando a ouviu chorar a única vez que ele havia ido visitá-la nesse tempo falando que ele poderia muito bem arrumar um emprego novo perto de casa... Só agora ele tinha percebido que era exatamente aquilo que ele tinha que fazer.

Ela já havia jantado, já havia arrumado a cozinha e já havia limpado um pouco os móveis. Era isso que ela fazia quando nenhuma amiga ia visitá-la ou a chamava para o jantar, era aquela solidão gigantesca que ela sentia. Aquela vontade de gargalhar, mas não ter razão nenhuma pra isso. Ela sabia que ele não ligaria de novo porque ele chegava cansado e ia dormir e o fuso horário não batia e todas aquelas desculpas. Mas ela o amava apesar de tudo... E com aqueles pensamentos, ela tomou um banho quente e foi se deitar. Deu uma lida rápida no livro de cabeceira e sussurrou palavras apaixonadas na esperança de que ele ouvisse, desejou também que esses últimos dias passassem rápido para que ele voltasse logo. Mas nem imaginava que ele estava descendo em um aeroporto há 45 minutos da sua casa...

E a viagem havia chegado ao fim. Sentiu o cheiro da cidade e pensou que apesar de ter que dirigir 45 minutos ainda, ele estava satisfeito por finalmente ter chegado em casa. Alugou um carro rapidamente e iniciou sua pequena viagem até aquele prédio localizado na esquina do último quarteirão da rua com um jardim em frente, com uma pintura desgastada e com um apartamento no quinto andar que significava mais do que tudo pra ele. Já era madrugada e o sono estava se apossando dele, mas ele mantinha os olhos fixos na rua com uma ansiedade absurda de chegar em casa.

Depois de dirigir por longos minutos, ele estacionou na porta do prédio. Suspirou, fechou os olhos e sorriu para si mesmo. Olhou para as janelas do quinto andar e todas as luzes estavam apagadas. Continuou sorrindo. Pegou suas malas no banco do passageiro e apertou o botão que trancaria o carro. Pronto. Abriu o portão da frente com certa dificuldade e se dirigiu ao elevador que já estava no térreo. Entrou e apertou o 5. O coração dele estava batendo numa velocidade assustadora e ela estava num sono profundo, sem imaginar o que acontecia do lado de fora do apartamento. Ele desceu do elevador e abriu levemente a porta do apartamento. O sorriso não queria sair de jeito nenhum de seus lábios. Trancou a porta e deixou as malas no chão da sala mesmo. Não acendeu nenhuma luz e foi pisando na ponta dos pés até o quarto dos dois, conhecia muito bem aquele chão para saber onde havia obstáculos. Não fez nenhum ruído e viu a silhueta dela dormindo, tirou sua jaqueta preta e a jogou no chão. Ficou apenas com a blusa branca e seus jeans enquanto se aproximava da cama. Se deitou cautelosamente e tampou os olhos dela enquanto depositava um beijo em sua nuca. Ela ainda estava sonolenta e não havia entendido muito bem, parecia algum sonho. Mas ela despertou e tateou seus olhos — a mão dele ainda estava lá:

— Z-zack? — Ela gaguejou sentindo o peito ferver.
— Lisa. — Ele sussurrou.

Lágrimas saíam continuamente pelos olhos dela, um pouco pela tensão e um tanto pela felicidade. Ela rolou na cama e se virou de frente para ele: podia reconhecer muito bem aquela silhueta mesmo no escuro. A espera havia chegado ao fim e o reencontro havia acontecido. Finalmente.

sábado, 27 de agosto de 2011

Fim do dia sem ele. Fim da vida com ele.


O apartamento era gigante e vazio. Poucos móveis. No canto da nova sala, a mala estava jogada e aberta. Alguns sapatos já estavam espalhados pelo chão. Nenhum perfume no ar, nenhuma brisa. Só aquele cheiro de tinta, aquele cheiro de apartamento que não recebia o ar do exterior há anos. Uma parede estava descascando. O chão fazia ruídos enquanto ela se movia, a madeira já estava pedindo uma reforma. A janela da sacada fora aberta. "Finalmente", ela pensou e um pouco de ar começou a invadir o ambiente. Ar puro, mas não tanto quanto... Ah, melhor não lembrar. Ela havia esquecido seu vestido favorito, seu sapato favorito, seu mensageiro dos ventos e mais um monte de pedaços dela... Ela havia chegado naquele apartamento novo despedaçada. E por que ela fora embora? Porque era a hora. Todo fim dói apesar de ser uma oportunidade de recomeço. Ela correu para o banheiro e tomou uma ducha. A água era gelada demais e se tentava regular, ficava quente demais. No chão não havia um tapete pintado por ela, era só um azulejo branco e triste. Na bancada da pia não tinha sua escova e nem tinha a escova dele, não tinha nada. No espelho, ela viu seu rosto inchado. Seu celular estava esquecido dentro da mala e vibrava enquanto ela permanecia se olhando no espelho. "Dói, amor, mas eu não posso voltar", ela sussurrava para si mesma como se houvesse a chance dele ouvir do outro lado da cidade. O celular continuava vibrando... Era ele querendo conversar. Ela saiu enrolada da toalha e tentou sentir paz, mas o fim ainda pesava bem no fundo da alma. Foi para a sacada do apartamento e fechou os olhos. O celular parou de vibrar. Lágrimas saiam pelos olhos enquanto ela observava o pôr-do-sol. Seria difícil recomeçar, difícil demais...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Fim do dia sem ela. Fim da vida com ela.


A marca de batom em uma xícara ainda estava lá, o cheiro de incenso no quarto também. Um livro de romance trágico estava jogado na mesa da sala. Uma escova de dentes permanecia em cima da bancada do banheiro e ao lado, ainda havia um batom vermelho. A chaleira já não estava apitando, mas estava em cima do fogão, intacta. A janela estava um pouco aberta e a brisa leve estava balançando um mensageiro dos ventos. A brisa havia chegado depois do furacão. No som da sala, tocava Beatles baixinho. Yesterday all my troubles seemd so far away... Um vestido florido ainda estava esquecido no primeiro cabide do guarda-roupa. Um bonito sapato estava embaixo da cama. O violão com uma corda arrebentada estava tristonho no canto do quarto. Na lavanderia, ainda haviam toalhas e lençóis usados por dois que — agora — um teria de lavar sozinho. Um bilhete na última gaveta da mesa do quarto ainda guardava palavras de amor-eterno. Mas na primeira gaveta, havia uma carta de adeus: Desculpe-mas-eu-tenho-que-ir. Em uma caixa minúscula da mesma mesa, havia um anel de ouro e um colar, a carta explicava: fique-com-isso-venda-ou-guarde-para-se-lembrar-de-mim. Ela ainda tivera a ousadia de pedir para que ele se lembrasse dela, talvez todas aqueles detalhes jogados pelo apartamento eram propositais: não-se-esqueça-de-mim-eu-não-me-esqueço-de-você-mas-me-desculpe. Um urso de pelúcia que antes se chamava Gian, estava atrás da porta do quarto e agora iria se chamar Ninguém. E Ninguém queria vê-lo feliz. Pensamento irônico. A colcha de retalhos estava bagunçada sobre a cama. O pôr-do-sol estava chegando. Mas, calma, o pôr-do-sol nada tinha a ver com ela, tinha? Oras, claro que tinha. O pôr-do-sol, o nascer e todos os outros fenômenos ao seu redor. Seria difícil esquecer... Difícil demais.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Amor e insanidade.


Uma tragada no cigarro. Uma golada no café. Duas goladas no café. Duas tragadas no cigarro. O mundo girava devagar enquanto ela observava pela janela do seu apartamento. "O que estava em jogo era a minha sanidade", ela pensou suspirando, "e eu perdi, cacete, eu perdi". Realmente, ela havia perdido. A sanidade que ela tanto valorizava, havia escorrido ralo abaixo. Bastou sentar-se na mesa de uma cafeteria às 3 da tarde de uma quinta-feira e bater os olhos em um rapaz. Ele viu que ela o observava e sentou-se perto. Assuntos infinitos, gostos em comum: café, cigarro, livros e melancolia. Trocaram telefones, mas ela se arrependeu assim que o fez. Depois de tanto pensar, ela percebeu que era um teste e ela queria provar que ganharia. Nunca acreditavam quando ela dizia que possuia células de defesa contra o amor e ela queria provar que tinha. Doce ilusão... E foi assim o início do fim da sua lucidez. Enquanto ela se lembrava de detalhes da história, continuava pensando: "Eu perdi, meu Deus do céu, o que foi que aconteceu comigo?".

Depois da troca de telefones, assim que ela entrou em seu carro para voltar para o trabalho, o celular vibrou com uma mensagem que dizia: "Adorei te conhecer, menina dos olhos profundos". Até aí tudo bem. Ela ignorou a mensagem e se esqueceu em segundos daquilo. Dirigiu em paz para o trabalho e não sabia que um furacão estava chegando. Mesmo sendo ignorado, ele continuou procurando por ela até que ela cedeu. Foram ao cinema e ele pegou a mão dela delicadamente várias vezes. E os dias seguintes foram de muitos encontros e reencontros. O auto-controle diminuia quando crescia a vontade de vê-lo. Telefone: alô-vem-me-ver. Mensagem: obrigada-por-hoje. Depois de alguns meses, ela tinha certeza que havia perdido. A bandeira branca estava levantada para quem quisesse ver.

Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho de chave na porta da sala. Ela girou os olhos sorrindo e deixou o cigarro no cinzeiro da sacada. Levantou-se lentamente e mordeu o lábio inferior pensando ainda: "Eu perdi, o amor ganhou".

"Amor? Cheguei", a voz masculina chamou e os olhos do rapaz se encontraram com o dela. Ambos sorriram simultaneamente. Ele desabotou os primeiros botões da blusa enquanto andava na direção dela. Não hesitou e lhe apertou com força contra si, dando-lhe um beijo terno. E depois murmurou deliciado... "Hum, adoro quando você tem esse gosto de café".

"Ainda bem que eu perdi...", ela pensava enquanto o puxava para mais um beijo sorrindo e desabotoando os botões que faltavam. Aquela era sua vida agora: com ele naquele apartamento. Ela agradecia todos os dias por ter perdido a sanidade e por ter ganhado o amor. "Eu perdi, amor, mas eu te ganhei", ela sussurrou com a voz falha e trêmula. Ele sabia do que ela estava falando e lhe respondeu com um sorriso torto. Foi o bastante.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Eu que não amo você.


Não, eu não te amo mais. Eu te amei por cerca de oitocentos dias, eu tenho certeza que sim, mas isso passou. Está lá atrás, jogado no meio da estrada. A bagagem estava pesada demais e você não queria me ajudar a segurar, tive que jogar ao vento. Eu não penso mais em você, lembro de você de vez em quando, mas desde o dia que eu não acordei pensando em você, todos os dias seguintes foram lotados de pensamentos variados pela manhã. E o principal sempre foi: que-dia-bonito. Acredita? Pois é, pois é. O mundo gira, amor. Eu não olho mais para os outros caras imaginando seu rosto e nem consigo mais ficar procurando semelhanças entre eles e você, não tenho mais paciência. Eu não os acho mais interessantes que você, nisso eles ainda perdem, mas eles possuem algumas coisas que você não tem: carne e osso ao alcance das mãos, por exemplo... Eu posso abraçá-los se eu quiser. Você foi apenas a utopia mais bonita que existiu dentro de mim. Você foi o incêndio, a fumaça e o tempo foi o vento que te levou pra sei-lá-onde.

Não estou querendo fazer jogo duro e dizer tudo isso para me sentir a pessoa mais forte do mundo. Eu só quero mostrar que tenho certeza que não te amo mais. Meu coração não dispara, não dói. Nada. Mas apesar de não te amar nem um pouquinho mais, no dia do seu aniversário o meu teto desabou. Não entendi o que aconteceu, mas eu chorei tudo que não chorei nos últimos meses. Se eu fosse louca, eu teria pegado um avião só para te ver e ver se a agonia passava. Acho que sem querer me dei um choque de realidade e percebi que com a falta do meu amor por você, veio a falta de nós dois. Na minha mente, eu achava que eu e você seríamos sempre nós-dois apesar de todo resto, mas não é bem assim. Você ainda diz que eu sou linda, você ainda sabe que tudo que eu te falo é do coração — porque é —, mas não existe aquele brilho mais. E esse choque, me fez te olhar com os olhos marejados por oitenta minutos e parece que eu revivi os oitocentos dias que eu te amei. E apesar de não te amar mais, eu te amei de novo. Eu te amei por tudo que fomos e chorei por tudo que não somos mais.

O que eu senti no dia do seu aniversário de vinte anos foi a pior sensação dos últimos tempos. A minha boca ficou seca e se alguém aqui em casa fumasse, eu teria roubado um cigarro. Eu nem gosto de fumar, mas me veio na cabeça que aquilo aliviaria a minha tensão. Meus olhos ardiam se uma lágrima caia, mas eu me torturava e deixava cair, deixava escorrer até secar. Eu pensei em ficar bêbada, pegar aquele conhaque pela metade ali da sala e beber de uma vez só, para te explicar com uma voz erolada esse ciclo unilateral que você nem percebe ou se percebe finge que não percebe. Mas eu não fiz nada.... Porque era segunda-feira, dez da noite e eu estava cansada. Só entendi ao deitar a cabeça no travesseiro que eu posso deixar de te amar, mas o amor nunca vai morrer. Acabou a nossa história, mas não quero um cigarro, não quero um conhaque e não quero você, te guardo no canto mais quente do meu peito só para te lembrar de vez em quando.

sábado, 20 de agosto de 2011

Lembra?


A noite havia sido ótima... Pra você. Eu te encontrei no bar, você estava com seus amigos e sorriu pra mim. Depois de alguns copos de cerveja, você veio me falar "Oi" de perto: dois beijinhos no rosto. Depois de mais alguns copos, você veio e me contou muitas histórias da sua vida maravilhosa, histórias que não me incluiam. Eu ria e inventava algo interessante da minha vida também. Seus amigos foram embora e minhas amigas também: ficamos só nós dois. Era tarde da noite e você pediu para ir para minha casa, eu te olhei com uma interrogação no rosto e você falou meio enrolado que só queria um lugar para dormir. Com muito custo, você colocou seu braço ao meu redor e eu te coloquei no meu carro. Você tentou passar a mão na minha perna enquanto eu dirigia e eu ameacei te jogar pra fora, você gargalhou e eu liguei o rádio. Give me everything tonight... Você resmungou que odiava música eletrônica e me lembrou do dia em que nós dançamos "abraçadinhos" uma música dos Los Hermanos. Eu disse que nem me lembrava e ficamos em silêncio até chegar na minha casa. Você fedia álcool e eu lembrei de como você era antes... Você cheirava perfume, era diferente. Mas você havia mudado, tudo havia mudado.

Depois de subirmos as escadas, com muito custo eu te coloquei no sofá e fui preparar uma xícara de chá pra mim. Demorei cinco minutos na cozinha e quando voltei, você estava dormindo um sono mais pesado do que o de um urso polar hibernando. Fiquei te olhando dormir, foi inevitável. Meu chá ia acabando e eu não me cansava de te olhar... Liguei o som baixinho e Adele cantava. Ah... Eu coloquei a xícara em cima da mesinha de centro e sentei no chão ao seu lado. Por que havia acabado, meu Deus? Por que não podíamos simplesmente tornar o difícil mais fácil e conviver com as nossas diferenças em paz? Hesitei um pouco, mas o ritmo da música me fez esticar os dedos para tocar seu rosto de leve. Quem eu estava tentando enganar? Era daquela noite que eu precisava para ter certeza que meu amor por você não tinha acabado com o fim do nosso relacionamento, pelo contrário. Don't you remember the reason you loved me before? Adele perguntou e eu perguntei baixinho também. Baby, please remember me once more... Você era o cara mais cafajeste do mundo, mas era o mais incrível. Meus olhos se encheram de lágrima. Ninguém conseguia ser tão engraçado e tão culto como você. Será que por trás de toda aquela casca você ainda sentia algo por mim? Tirei a mão do seu rosto finalmente e você suspirou... Eu havia te acordado. Você abriu os olhos devagar e depois abriu um sorriso, mas fechou a cara ao ver que eu estava limpando uma lágrima. Adele ainda cantava...

— Que foi?
— Essa música me emociona.
— Só isso?
— Só.

Ficamos em silêncio, você fechou os olhos de novo e Adele repitia: baby please remember me once more. When will I see you again? Você abriu os olhos repentinamente e pegou minha mão de forma carinhosa. Piscou várias vezes enquanto me encarava. E aí você falou...

— Eu nunca esqueci.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Desce aqui.


O telefone tocava e tocava e tocava. Eu só suspirava e insistia para que parasse antes que eu me rendesse. Mas ele era insistente... Ligou umas cinco vezes e na sexta eu resolvi atender. Eu não estava com vontade de olhar pra sua cara, mas acho que escutar sua voz não teria problema. Ai, doce ilusão.
— Alô? — Ele disse como quem não queria nada, mas eu sabia que queria muito. Queria tudo.
— O que você quer? — Mostrei minha resistência e ele soltou um suspiro misturado com um riso contido. Meu coração se apertou de irritação. 
— Queria saber se você quer tomar um ar, ficar presa nesse apartamento se escondendo de mim não vai te levar a lugar nenhum, sabia? — Sua voz era divertida e eu teria rido se não estivesse tão cheteada.
— Quem te disse que eu estou presa no meu apartamento? Eu sai hoje... — Menti muito bem, eu acho.
— Não venha mentir para mim, eu te conheço bem e sei que está mentindo. — A voz dele ficou rouca e uma onda elétrica passou pela minha espinha.
— Por que você faz isso? Sério, me resp... — Antes que eu continuasse, ele me interrompeu.
— Além do mais, eu estou te observando. — Ele suspirou novamente. — Faço o que, menina? 
— Isso. Como assim você está me observando? — Corri para a janela do meu quarto e olhei para a rua. Bingo. — O que seu carro está fazendo aqui na porta?
— Você não viu? Estou aqui desde ontem. Só sai para ir na padaria hoje cedo... Por isso que eu soube que estava mentindo. — Ele abriu a porta do carro e se colocou em pé do lado de fora. Esticou seus braços e acenou para mim. Eu estava escondida atrás da cortina, mas ele sabia que eu estava olhando. — Retribui meu aceno, um ato de educação faz bem, às vezes... — Eu acenei pra ele e pensei em mostrar o dedo do meio, mas desisti.
— Você deve estar drogado, mandei você parar de cheirar farinha. — Fiz uma piada ruim, mas ele soltou uma risada absurdamente alta. Não sabia se ouvi o som chegar pelo lado de fora ou pelo celular, pelos dois talvez. Como que eu cogitei ficar sem aquela risada?
— Eu não estou drogado, estou apaixonado. — Silêncio. Silêncio. Ele continuou. — Eu não queria ter te magoado na festa ontem, eu não queria ter feito um monte de coisas. Mas fiz. Pra te provocar, talvez? Não sei. Mas te peço desculpas.
— Você é patético.
— Você é linda.
— Que raiva...
— Te amo.
— Meu Deus, como você faz isso?
— Desce aqui que eu te conto.