sábado, 28 de janeiro de 2012

A Lua virou Sol e eu ainda não preguei os olhos.

Não precisa girar a chave hoje, amor. Na verdade, só coloca a chave embaixo do tapete e volta pro elevador. Hoje é dia de juntar papéis e embolar todas as mentiras para incendiar, mas eu preciso de mais fósforos pois os que eu possuo não serão suficientes. Fico analisando cada mísera palavra que saiu da minha boca e vejo todas se esvaindo pelo ar como fumaça, as que foram escritas no papel estão em alto relevo querendo pular para fora das linhas e esse gosto amargo na minha boca não me deixa recuperar nenhum "eu te amo" e nenhum "sempre vou amar". Não tem como recuperar o que era dito para um alvo abstrato. Eu me joguei de tantos precipícios porque achava poético saber que tinha você para me fazer flutuar e por mais que eu soubesse que essa hora chegaria, eu não achava que cairia de forma tão violenta contra essas pedras. Não há mais poesia quando eu me encontro cara a cara com a morte. A morte do que nunca chegou a ser e eu fingia não saber.

Os CD's arranhados jogados pelo quarto, as folhas voando com o vento cortante que entra pela janela, meu violão esquecido em cima da cama e eu fechando as portas com cuidado para não acordar ninguém. A noite chega ao fim com esse cheiro de álcool exalando por todos os poros e a minha imagem se mantém irreconhecível no espelho do banheiro. Olhos tão vermelhos me encarando e eu sei que se fosse há dias atrás, sumiriam enquanto eu dormisse tranquila sabendo que meus medos eram bobos demais para serem levados a sério. Agora, esses malditos olhos vermelhos, insistem em me acompanhar aonde quer que eu vá. Só para me lembrar que mais uma vez aconteceu o que eu jurei que não aconteceria jamais. Apago todas as luzes e procuro a posição mais confortável pro sono me alcançar, mas sei que é em vão. Eu pisco e nenhum resquício de sonolência me invade, só essas lágrimas azedas que já não sabem se caem ou acumulam-se no canto do olho para me embaraçar a visão.

Vou continuar embaralhando qualquer detalhe seu com qualquer detalhe meu só para mostrar pra mim mesma que não tem como encaixar. Eu jurava que tinha, mas não tem. A válvula de encaixe era a verdade e a verdade, amor, pra onde ela foi? Somos como um daqueles brinquedos de montar que a gente chuta no meio da sala sem querer e os pedaços voam para todos os cantos. Como um cristal qualquer que por um descuido foi arremessado contra a parede do apartamento. Como qualquer coisa que era frágil demais e eu insisti em fechar os olhos, mas que o susto me fez enxergar. Abri os olhos bem quando os cacos estavam voando janela a fora. Eu me jogaria do décimo segundo andar para correr atrás de cada pedacinho. Mas o que viria depois?

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Mentiras e finais.

— Eu corria do mundo pra me esconder em você e agora vou ter que correr pro mundo pra me esconder de você.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Tem sentido.


Nós vimos meu filme preferido juntos, você disse que eu pareço com a mocinha e eu fiz uma comparação idiota dizendo que mesmo que eu te apagasse da minha memória, igual ela, eu também te reencontraria por aí. Não seria em Montauk que está longe demais de nós dois, mas seria talvez ali na capital. Ou em qualquer outro lugar na metade da estrada. O que importa é que eu te reencontraria e mesmo sem me lembrar de nada sobre nós dois, não seria necessário mais do que alguns minutos para eu me re-apaixonar por você e te falar, meio estabanada, que iria casar com você. Tenho essa mania estranha de nos encaixar em qualquer história que eu leio, em qualquer filme que eu vejo ou em qualquer música que eu escuto. Tem algum sentido nisso?

O dia só corre bem ou só termina realmente bem quando eu consigo desenroscar esse tanto de palavras que eu tenho pra te falar. Algumas vezes eu desenrosco tagarelando no telefone e outras, eu só deixo tudo bem guardado nos meus papéis. Tudo fica meio torto e pela metade se eu não te conto. Igual daquela vez que eu caí no shopping e te liguei meio chorando e rindo. Igual das outras vezes que eu te contei histórias de anos atrás como se fossem recentes só para nos colocar numa máquina do tempo e te mostrar que tudo só faz realmente sentido se eu compartilho com você. As histórias da infância ou qualquer coisa do meu dia-a-dia, tudo está recheado de você. Mesmo que você não tenha dançado comigo, mesmo que você não tenha me ajudado a levantar quando eu caí. Mesmo assim. Tudo tem você. Tem algum sentido nisso?

Sempre me imagino arrumando as malas pra fugir com você, me imagino realizando tudo que a gente planeja, me imagino acordando bem do seu lado até meus noventa e seis anos e eu sempre sei, claramente, que é pra esse rumo que nosso destino aponta. Não adianta correr, não adianta ser pessimista porque a força disso tudo é maior do que qualquer outra coisa. Não adianta dizer que amor não é suficiente porque você me mostrou que amor é mais do que suficiente. Amor misturado com essa sede de nós dois, amor misturado com deslumbramento, amor misturado com realidade, amor misturado com paixão, amor misturado com todos os sentimentos bons que podem nos rodear. Eu sei que pegar na sua mão vai ser sempre a minha calmaria e que te beijar vai sempre despertar em mim tudo que eu achei que não sabia sentir. É o maior amor do mundo. E sim, tem sentido em tudo isso.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Estrelas não existem só no céu.


De longe, dá pra te observar. Tranquila e sorridente. Se eu paro para te observar melhor, vejo um misto de criança bem ali no meio do seu olhar e eu tento entender que foi que aconteceu enquanto você nascia que te faz brilhar desse tanto. Brilho ofuscante. Brilho de estrela mesmo, sem exagero nenhum. Comparar você com uma estrela não tem sentido, visto que você é uma. Nunca vão saber explicar, nem sua mãe, nem seu pai e nem ninguém vão entender o que eu não entendo: que foi que aconteceu que fez essa menina brilhar tanto? Ninguém tem a resposta. Há especulações de que você caiu do céu, digo desse jeito bem brega e clichê, mas é o mais próximo da verdade.

Dá pra contar das brincadeiras, dá pra contar dos tombos que você tanto levava enquanto tentava se manter em pé nos patins, dá pra contar da sua mania de vender pipoca usando a bicicleta como carrinho aos seus oito anos. Dá pra te ver contar e recontar essa histórias deixando as lágrimas caírem depois de tanta risada. Dá pra ouvir qualquer história sua porque qualquer história sai em forma de riso. Dá pra ter reflexões sérias a respeito da vida, do ar, da rua, dos nossos pais. Dá pra te ver chorar de medo de escuro e te dar uma risada como consolo. Com você, dá pra fazer qualquer coisa. Dá pra aprender, dá pra ensinar.

Não deixa a vida te endurecer, não deixa ninguém te dizer o que fazer com seu caminho. Não deixa as pessoas se imporem e tentarem mandar nas suas decisões. Não deixa tentarem arrancar essa criança que tem no seu olhar. Não deixa tirarem seu sorriso constante. Não deixa. Junta seus patins, sobe pela escada, pega sua bicicleta e vende pipoca. Eu sei que pra uma estrela enfrentar esse mundo deve ser difícil, mas vai em frente. Sempre em frente. Ninguém tem o previlégio de guardar dentro da alma esse brilho todo que você guarda, mas eu tenho o previlégio de te acompanhar, de te entender e de te ver brilhar. Obrigada.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Viajar.




Se eu pudesse alterar a rota, eu alteraria. Rasgaria qualquer mapa, ludibriaria o piloto. De nada me vale chegar no destino considerado certo se não é você quem vai me receber. Sem abraços na sala de desembarque, só uma mensagem no celular perguntando se fiz boa viagem. Apesar de você estar comigo em todos os cantos, só onde você se encontra em carne e osso que é a resposta certa pra qualquer questionamento. Entrar no avião, entrar no ônibus ou entrar no carro... Tudo faria maior sentido se o destino fosse você. Mas uma hora vai ser. Tem que ser.








quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Dom Casmurro.

"Entretanto, a matéria das nossas conversações era a de sempre. Capitu chamava-me às vezes bonito, mocetão, uma flor; outras pegava-me nas mãos para contar-me os dedos. E comecei a recordar esses e outros gestos e palavras, o prazer que sentia quando ela me passava a mão pelos cabelos, dizendo que os achava lindíssimos. Eu, sem fazer o mesmo aos dela, dizia que os dela eram muito mais lindos que os meus. Então Capitu abanava a cabeça com uma grande expressão de desengano e melancolia, tanto mais de espantar quanto que tinha os cabelos realmente admiráveis; mas eu retorquia chamando-lhe maluca. Quando me perguntava se sonhara com ela na véspera, e eu dizia que não, ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançávamos na lua, ou então que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de dar a outros anjos que acabavam de nascer. Em todos esses sonhos andávamos unidinhos. Os que eu tinha com ela não eram assim, apenas reproduziam a nossa familiaridade, e muita vez não passavam da simples repetição do dia, alguma frase, algum gesto. Também eu os contava. Capitu um dia notou a diferença, dizendo que os dela eram mais bonitos que os meus; eu, depois de certa hesitação, disse-lhe que eram como a pessoa que sonhava... Fez-se cor de pitanga."

Machado de Assis

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A gente tem que reagir.

Eu saio do banho e você insiste em enroscar cada mecha molhada do meu cabelo ao redor dos seus dedos enquanto eu me mantenho no sofá. Você fica sentado no chão nesse movimento insistente e ficamos os dois em silêncio. Quando você para, cheira sua mão e sussurra qualquer coisa querendo saber o nome do meu shampoo novo. Eu dou um sorriso desafiador enquanto cheiro as pontas dos meus fios e resmungo que não lembro. Você faz sinal me pedindo pra te dar uma beirada do sofá e eu levanto o pescoço para que você se sente e eu afunde minha cabeça no seu colo. Você estala todos seus dedos, um por um, enquanto fica me olhando. Eu fecho os olhos porque não aguento quando você tenta me invadir desse jeito e abro os olhos subitamente quando suas mãos frias afundam no meu busto e fazem um carinho forte o suficiente para deixar nossas peles com a mesma temperatura.

"Vamos viajar", você sussurra e eu encaro o teto antes de te olhar. Eu penso antes de responder e te encaro para ter certeza do que você diz. "Pra onde, amor?", eu pergunto apoiando minha mão na sua fazendo com que você pare subitamente com o carinho. "Esquece, pensei alto". O silêncio volta e eu começo a murmurar aquela nossa música antiga. Aquela que você nem deve se lembrar que é nossa música. "Que que cê tá cantando, meu bem?", você pergunta com um sorriso tímido e me sinto de volta há cinco anos atrás quando esbarrei contigo na porta daquele pub que poderia ser o cenário de qualquer tipo de história, menos de uma história de amor. Por isso que eu me pergunto se nossa história é realmente de amor. "Tô cantando nada não", eu te respondo sentindo minha garganta arranhando e continuo cantando e continuo lembrando. "Lembrei...", você solta em forma de sopro e pede pra que eu saia do seu colo. Eu levanto rápido com o coração disparado e você começa a mexer nos seus CD's do outro lado da sala. "É nossa música, não é?", você pergunta como se tivesse descoberto um novo continente e eu sorrio impotente enquanto você procura desesperado por um CD que, provavelmente, você já jogou fora.

Você desiste de procurar o bendito CD e volta para o sofá, com um olhar de quem havia perdido o mapa de qualquer tesouro valiosíssimo. Continuo apenas sentada ao seu lado, decorando novamente todos os traços do seu rosto que eu já havia decorado muito bem. "Lembrei de quando a gente quase fez amor com essa música...", você sorri e entrelaça minhas mãos com as suas. "Você lembra?", eu pergunto surpresa e aliviada. "Lembro muito bem, mas seus pais chegaram em casa, não foi?", eu faço que sim com a cabeça. "Que bom que você lembrou", eu lambo meus lábios querendo que fossem os seus, mas eu sei que é cedo para qualquer re-aproximação. "Quando foi que a gente morreu?", eu pergunto baixinho e você me olha assustado. "Repete?", você suplica e eu deixo escorrer uma lágrima. "Esquece, marújo", eu solto uma risada e você levanta uma sobrancelha. "Eu ainda visto aquela fantasia de novo pra você, sereia", meu peito se lota de alguma coisa semelhante à felicidade e eu gargalho, mas repito a pergunta logo em seguida: "Quando foi que a gente morreu?" e você não diz  nada.

Você me pede para levantar do sofá rapidinho e se deita, me puxando pela mão logo em seguida, me fazendo deitar sobre você. Minha cabeça fica no seu peito e eu começo a ouvir seu coração batendo num ritmo frenético demais. "Que foi com seu coração?", eu pergunto em tom de brincadeira e você não fala nada, só enrosca suas mãos pela minha cintura, me balançando de um lado para o outro. Eu fecho os olhos e sem ver, deixo escorrer uma lágrima. "Que foi que você tá chorando? Que foi que eu fiz?", você pergunta preocupado e beija o topo da minha cabeça umas trinta e sete vezes. "Nada, meu amor. Nada não", eu só sussurro e passo os dedos pelo seu peito para secar o pouco que eu havia te molhado. Começo a sentir você aspirando fundo o cheiro do meu cabelo.

"Ontem eu sonhei que nós dois fomos pra serra, igual você falava pra gente fazer.", você começa um novo assunto. "Por isso que você falou pra gente viajar?", pergunto baixinho e você ainda me embala de um lado para o outro deitada em cima de você. "Foi.", seu coração não diminui a velocidade e você fala: "A gente tem que reagir, coração.", você fala em tom de súplica e eu te dou um beijo no peito bem no rumo do seu coração. "Tem...", eu fecho os olhos e você me puxa para cima pela nuca pra poder depositar um beijo na minha boca. "Acredita em nós, por favor.", você pede e eu me mantenho em silêncio. "Acredita, sereia.", eu dou um sorriso e deito minha cabeça exatamente onde ela se encontrava há três segundos. "Eu já entrei a bordo, preciso aprender a andar com essas pernas...", eu embolo as palavras e engasgo com as lágrimas que estão prestes a sair. Não ouso te olhar nos olhos de novo e continuo perguntando murmurando "Quando foi que a gente morreu?" e você só começa a murmurar coisas que eu não entendo. Fico deitada em você até pegar no sono. A gente tem que reagir.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Lua cheia.

Era inverno quase primavera, dia quatorze, a lua estava cheia em áries e estava marcado no calendário de destinos que o meu estava para mudar naquele dia. O seu também. Não imaginávamos, com certeza. Eu estava acostumada a falar sobre música com tantos estranhos, mas foi falando contigo daquela que fala sobre Sabrina no país das maravilhas que houve uma chacoalhada no cosmos e o universo parou para ver a gente se aproximando. Houveram dúvidas, há quem ainda não acredite e há quem nunca vai acreditar, mas o nosso encontro estava mais parecido com qualquer espécie de reencontro. Você não me era estranho, você se encaixou tão bem que eu tenho certeza que se existiram vidas passadas, de fato, nós já nos encontramos numas quinhentas anteriores a essa.

Desde então, seguimos sempre em frente um ao lado do outro. Mãos dadas nesse laço invisível e beijos depositados no canto da boca depois de serem jogados pelo vento todo começo de dia ou todo fim de noite. Nunca houve sorriso mais sincero. Nunca houve certeza maior, apesar da minha chuva de medos. Insisto em andar descalço ao seu redor para não acordar seus medos e insisto sempre em te olhar dormindo para me assegurar que seus pesadelos não te atormentam. Quero te dar a segurança que eu sei que sou capaz de te oferecer, quero manter nossos passos leves como eles são. Podemos ser intensos demais, mas não transparecemos porque a certeza nos mantêm nos eixos. A certeza não nos deixa quebrar, a certeza não nos tira dos trilhos.

Agora já é verão, a lua mudou dezesseis vezes e está cheia novamente por coincidência. Eu me encostei na janela por uns vinte minutos enquanto a chuva caia. Fiquei buscando no fundo da cabeça qualquer explicação e decidi que não somos dignos de explicação nenhuma. Até porque nada seria plausível o suficiente para englobar tanto sentimento e em meus breves anos de vida, eu aprendi que sentimento nenhum deve ser explicado. O que acontece com nós, não cabe no entendimento de ninguém — nem de nós dois. Algumas pessoas juram que estamos sempre prestes a cometer algum erro imperdoável e eu sorrio. Sorrio porque por mais que eu insista em te atormentar com minhas dúvidas, sempre me surge na cabeça aquela certeza que eu tanto falo: somos nós.

Somos nós. Eu sou pra você e você é pra mim. Estamos só começando. Ainda há muitas mudanças de fases da lua pra gente presenciar. Ainda há muitas mudanças de estações pelo caminho. Ainda há muita vida minha para se misturar com a sua. E se existem vidas futuras, de fato, vamos nos encontrar numas quinhentas depois dessa.

"Não desistirei de nós
Mesmo se os céus ficarem violentos..."

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Asfixia.

— Você acha que é simples?
— Acho. — Caio respondeu enquanto dava uma última golada no seu copo de whisky olhando pela janela.
— Não é nada simples! Porra, Caio, olha pra mim!
— O que foi? — Ele gritou me encarando com os olhos vermelhos e fiquei estática observando uma lágrima ou duas escorrerem por suas bochechas. — O que você quer, afinal, Daniela?
— Nós dois. — Sussurrei como uma criança envergonhada.
— É? Você quer nós dois? — Ele se aproximou e começou a roçar sua língua no meu pescoço, revirei os olhos enquanto ele me puxava pela nuca. — Deixa eu te dizer uma coisa... — Ele puxava meu corpo contra o dele com tamanha força que eu não conseguia mais raciocinar. — Nós já temos nós dois, mas você insiste em complicar isso. — Ele terminou de falar e se afastou brutalmente, andando para o outro lado da cozinha.
— Pra você é muito simples! Pra você é ridículo de tão simples... Não basta viver de festinhas! Não basta! Eu quero uma vida com você, mas você quer continuar sendo o moleque mimado de sempre. Você usou as táticas certíssimas para me prender e agora que conseguiu o que queria, esquece que eu existo. E continua aí, com essa cara de sonso, achando que tudo é simples! Nada é simples, Caio! — Eu berrei enquanto saia da cozinha, mas ele me puxou pelo braço antes que eu chegasse até a sala.
— Me fala, então... Me fala o que você quer de mim. Fala qualquer coisa que eu faço. Não aguento mais essas brigas. — Os olhos dele estavam fundos e me encaravam implorando por piedade.
— Eu não posso exigir nada de você. — Suspirei.
— Pode e deve. Eu sou completamente seu. Mas você não acredita. Então, eu te dou esse direito de exigir o que quiser. Exige e pede que eu cedo. Juro que cedo. Juro! — Ele afrouxou os dedos ao redor do meu braço e seus lábios começaram a tremer.
— Você está bêbado, amanhã não vai lembrar de nada.
— Eu estou consciente, eu sei dos meus erros e você tem razão: nada é simples. Mas eu quero descomplicar pra você. Eu quero fazer você voltar a sentir o que sentiu no começo. Eu quero te mostrar que eu não mudei. — Ele se aproximou bastante e novamente me puxou pela nuca, mas não fez nada além de afundar o rosto no meu ombro e logo depois se desabou em lágrimas.
— Para de chorar. — Senti um aperto no peito enquanto meus ombros ficavam molhados.
— Para de fazer assim comigo. — Ele murmurou cheirando meu cabelo.
— Desculpa pelos insultos. — Comecei a organizar meus pensamentos enquanto envolvia meus braços ao redor do seu tronco sem camisa. — Eu não quero ter que exigir nada de você, eu não quero que você pense que eu não sinto mais o que eu sentia no começo, eu não quero que você ache que existe a possibilidade de que eu desista de nós dois, eu só quero que você se lembre de como tudo era no início e compare com nossa situação agora. Eu estou exausta e você também. Onde é que nós paramos, Caio? — Ele levantou o rosto para me olhar e deu um meio-sorriso.
— Nós não paramos. Nós só corremos demais. — Ele enxugou o rosto e respirou fundo. — Nós tivemos pressa, quisemos adiantar o futuro pra ontem. Quisemos virar adultos quando éramos duas crianças se apaixonando. — Ele cruzou os braços e se encostou na parede do corredor enquanto me olhava, eu me encostei na parede oposta e fiquei de frente para ele. — Eu não me arrependo disso, mas deveríamos ter ido com calma. O problema é que não existe calma entre nós dois, nunca existiu.
— Eu tive mais pressa que você.
— Eu me joguei fundo logo de cara e você teve pressa de me salvar, mas acabou mergulhando comigo. Deveríamos ter subido até a superfície, talvez. — Ele esticou o braço o suficiente para acariciar meu rosto e eu fechei os olhos com aquele toque.
— Agora já estamos aqui, bem no fundo. No mais fundo que poderíamos chegar. E é disso que eu estou falando quando digo que não é simples. E se a gente se afogar? Tudo está desandando esses tempos.
— Nós não vamos nos afogar, Dani. Não vamos. Eu posso te dar esse trabalho todo e você também, mas nós temos um ao outro. Me perdoa por errar assim. — Ele me puxou pelos braços e me abraçou de novo.
— Me perdoa por errar assim também.
— Você já percebeu que nós sempre acabamos as brigas dizendo coisas meio poéticas? Eu não era assim até você aparecer. — Ele soltou uma risada gostosa de se ouvir, mas seu semblante ficou sério logo em seguida. — Não queria te sufocar com meu amor.
— Você não me sufoca. — Senti as lágrimas borbulharem. — Pelo contrário.
— Pelo contrário?
— Você é o ar.
— Isso foi poético demais pra mim...
Ele riu enquanto se aproximava de mim para me tirar o fôlego novamente. Nesses momentos eu tinha uma súbita certeza que ele era mesmo o ar. O ar e todos os outros elementos. O ar, a terra, o fogo e a água. Meu mundo entraria em desequilibrio sem a sua presença. Eu entraria em colapso sem a sua presença.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Como as tempestades funcionam.


O vento sopra segredos do lado de lá, já nem preciso encarar o horizonte com os olhos semicerrados porque as gotas de chuva não me deixam enxergar direito. Eu só sinto. Sinto os olhos arderem, sinto os cabelos se embaraçando, sinto a tempestade chegando. Ela se aproxima sempre disposta a causar catástrofes, disposta a destruir tudo que surgir pela frente, disposta a virar notícia na televisão, disposta a destruir e levar consigo tudo que eu tenho de bom dentro de mim. As chuvas tentam lavar qualquer sinal de amor, os ventos tentam arrancar qualquer sorriso ou qualquer resquício de paz. Os telhados voam, as minhas ruas inundam, mas nada se destrói. Nunca. Minha paixão por tempestades não é atoa porque eu sei que elas existem para me mostrar como eu sou forte. Enquanto eu sinto cada gota escorrendo pela minha testa, descendo pelo meu nariz, parando em minha boca e escorrendo para o pescoço, enquanto as gotas encharcam os pedaços de pano que me cobrem, enquanto as ondas elétricas se misturam com os tremores de frio, eu me sinto como eu devo ser: forte. Eu jurava que não sabia lidar, que não sabia me segurar na borda de qualquer abismo que fosse, que eu não sabia sentir nada além dessas agonias, mas a tempestade veio para me mostar que não, que eu posso sentir, que eu posso me segurar porque eu tenho força suficiente para não me deixar cair e que eu também sei amar. Quando o céu para de chorar e minhas lágrimas se cessam, eu me sinto renovada. Pronta para provar para qualquer um que eu posso ser esse amontoado de defeitos, mas que em algum canto da minh'alma há algo que vale a pena ser eternizado. Algo que tempestade nenhuma consegue lavar. Em certos momentos, eu fico abismada e percebo que eu sou a tempestade. Eu tento me destruir, mas não consigo. Eu sou a tempestade, mas eu sou brisa também. Eu sou a tempestade, mas guardo feito rocha o que merece ser guardado. Deixa chover que daqui a pouco abre o Sol. É assim que funciona.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Camille e seu esmalte.

Camille,

Será que ainda é possível te chamar de minha? Ando pensando que você nunca foi inteiramente minha, infelizmente. Nem quando você olhava no fundo dos meus olhos e jurava por Deus que era comigo que você queria viver todos os seus dias... Nesses momentos era sua carência de afeto gritando, não era? Porque você nem ao menos acredita em Deus, Camille. Mas eu acreditei em nós dois. Mesmo quando você pintava sua boca e saia sem hora para voltar, eu ficava deitado naquele sofá te esperando. Eu te esperava por horas, passava a mão naquele gato rabugento, tentava me distrair com a televisão e aí você chegava. Quatro ou cinco da manhã. Meu peito que quase explodia de preocupação e de saudade se esvaziava subitamente. Lembro bem de cada sorriso que você me devolvia quando chegava em casa, eu não dizia nada e nem reclamava por sentir aquele gosto de vodka quando você vinha me beijar. Eu te aninhei em meus braços por tantas madrugadas enquanto você deixava suas lágrimas rolarem e sua maquiagem borrar completamente. Eu te acariciava até pegar no sono, te carregava até a cama e não te fazia pergunta nenhuma porque, como eu disse, eu acreditava em nós.

Não sei se você está se perguntando, mas agora eu estou em um apartamento bem menor que o nosso. Num bairro bem mais horrível e cheio de mulheres perdidas em cada esquina. Ontem eu saí para beber um pouco e acabei bebendo muito. Na volta pra casa, uma mulher estava parada com um cigarro e um vestido bastante justo bem na porta do meu prédio. Eu a olhei por alguns segundos e jurei que era você. Até chamei seu nome baixinho e ela sorriu maliciosamente para mim quando viu meus lábios se mexendo. Mas por aquele sorriso, eu voltei para a realidade e vi que não era você, seus sorrisos absorviam toda a paz que te rodeava e mesmo qualquer tipo de sorriso malicioso, era bonito de se ver. O daquela moça não, era um sorriso sujo. Ela começou a puxar papo e eu a trouxe aqui para cima. Camille, nojo foi tudo que eu senti. Nojo de mim, nojo dela, nojo do mundo e nojo da minha incapacidade de seguir em frente. Mesmo que você tenha me esquecido, ainda está pisando com seu salto agulha no meu peito. Eu não consigo seguir em frente e às vezes, quando estou bêbado eu me olho no espelho e sinto saudades de quando minha embriaguez se resumia a engolir suas lágrimas no escuro.

Durante nossos anos juntos todos momentos importaram, obviamente. Mas houveram duas situações que mexem com meu psicológico até hoje. A primeira situação ocorreu nos nossos primeiros meses juntos, lembro bem que pegamos um pouco de vinho, alguns cigarros e fomos para o topo de um morro não muito longe da cidade. Quando todo o vinho já havia se esgotado e quando você já estava deitada sobre minha camisa, eu contava as estrelas silenciosamente. Não sei se foi uma alucinação, mas eu e você, vimos juntos aquela estrela cadente e fizemos nossos pedidos. Eu sussurrei no seu ouvido o que havia pedido e você me deu um tapa no braço enquanto ria com a boca aberta, eu estava sem entender a graça e você disse: "Agora que você contou, não vai ficar comigo pra sempre". Eu ri também, claro, mas desde aquele dia, eu estremecia com medo de te perder, parecendo um garoto superticioso, mas veja só onde chegamos. Eu devia ter ficado calado, não é mesmo? A segunda situação foi quando, certa vez, você acordou no meio da noite, me abraçou apertado e começou a chorar. Eu acordei atordoado e acendi o abajur. Seus olhinhos, tão miúdos, estavam pequeninos me olhando e eu perguntei o que havia acontecido. Tive que perguntar nove vezes para você me mostrar suas unhas. Minha sobrancelha se manteve levantada enquanto eu observava seu esmalte vermelho descascado. Aí você suspirou e disse: "Passei esse esmalte ontem e olha como ele está.", eu sorri enquanto enxugava suas lágrimas e você continuou: "Eu não quero que com nós dois seja assim. Não quero que termine rápido, amor.". Acho que foi a comparação mais maluca que você já fez, mas foi uma das mais bonitas. Eu só disse que não acabaria nunca e apaguei a luz. Sorte a sua que não acabou rápido, azar o meu que acabou antes da eternidade que eu havia planejado para nós.

Não sei qual o propósito dessa carta, talvez seja só minha vontade de desabafar e você é a única que eu confio plenamente. Soa até um pouco irônico. Eu sei que quando você gritou chorando e me pedindo para ir embora, eu só fiz minhas malas em silêncio e fui. Eu sei que posso ter errado ao agir assim. Mas estava me doendo demais ver que você estava mal comigo e o que eu sempre prezei foi a sua felicidade. Antes mesmo de olhar para a minha felicidade, eu queria te ver feliz, Camille. E se iria te fazer feliz que eu fechasse a porta e descesse as escadas para nunca mais voltar, era aquilo que eu faria. Entende? Talvez seja essa a outra razão para que eu esteja te mandando essa carta: quero que você saiba que se você chamar, eu não penso duas vezes para largar esse lugar e voltar. Não sei se existe essa possibilidade de você me querer de volta, mas estou dizendo por precaução. Eu errei muito, assumo meus erros e me exponho nesse papel. Mas não é por remorso não, é por amor. Simples e complicado assim.

Eu te amo, Camille. Sempre vou te amar. E garanto que da próxima vez que eu ver uma estrela cadente, não contarei para ninguém meu pedido. Apesar de que você já deve saber exatamente o que eu pedirei.

Beijo grande,
do seu, sempre seu.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Último Romance.

Fala que eu vou concordar, pede que eu cedo, me entrega os papéis que eu assino, eu selo qualquer trato se você me pedir com jeito, eu faço promessa do dedinho, eu sussurro qualquer bobagem no seu ouvido e até faço qualquer pacto maluco que você queira. Faço o que preciso for para que você acredite em mim. Acredita que eu sou feliz como jamais fui, acredita que eu não vou a lugar algum — não sem você. Ficou decretado desde o primeiro momento que era em você que eu iria morar, com toda a tralha e todas as complicações durante a mudança, com todo o entulho das casas passadas e todas as lágrimas acumuladas no canto do olho, você abriu suas as portas e me aceitou assim. Da mesma forma que eu abri as portas, as janelas, retirei os móveis e deixei você se alojar da forma que bem entendesse dentro de mim. Fique à vontade, amor. A casa é sua e eu também. Deixa eu afundar o rosto no seu pescoço quando eu ficar em silêncio demais, deixa eu afundar minhas unhas na sua nuca, deixa eu te abraçar como se tivesse acontecendo qualquer catástrofe ao nosso redor, deixa eu te beijar sem pretensão de parar, deixa eu te mostrar que nossos medos não são nada perto de nós, deixa eu segurar sua mão com essa força absurda, deixa eu fazer desenhos imaginários com meus dedos nas suas costas, deixa eu te escrever aquelas cartas e vem. Vem me ajudar a tornar realidade qualquer plano que nós fizemos, qualquer ideia louca. Como é que se diz naquela música? "Ter fé e ver coragem no amor", pois então... Eu tenho fé em nós e te garanto, somos muito corajosos.





E ninguém dirá que é tarde demais
Que é tão diferente assim
Do nosso amor a gente é que sabe

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Fragmentos do lembrete para a moça que amava demais.

(...) Se dê um tempo, dê tempo para que os outros sintam falta, não se agarre de maneira tão forte a uma incerteza. Não pinta o cabelo dessa cor, não pinta os lábios desse jeito, não bata com tanta força na porta dos vizinhos de madrugada porque eles não vão querer te atender. Não ligue tanto pra esses números fora de área. Não anda descalço sobre tantas rosas porque são elas que tão belas e tão frágeis te machucam com tamanha força com esses protótipos de espinhos. Não fique longos segundos mergulhada na banheira, não arregale os olhos quando ficar sem ar. Não desça as escadas correndo porque você sempre tropeça no último degrau. Não aperte com tanta verocidade o botão do elevador porque isso não fará com que ele chegue mais rápido até você. Não chore tanto ao telefone, não ande com essa garrafa na mão. Não encoste nesses cigarros do seu bolso. Pare de tremer dessa forma. Eu tentei te avisar desde o início, mas você me ignorou. Junta essas canetas e para de rabiscar os sonhos. Abre essa janela, abre a porta. Agora é você por você mesma. Eu te avisei. Eu disse que amar é morrer um pouco mais que o normal a cada segundo para renascer no segundo seguinte. Eu te avisei.

— Você não avisou.


Não diga que eu não te avisei.
Mas não se esqueça que eu disse que valia a pena.
Porque vale. Morrer acompanhado pode não ser tão ruim.


— Vale a pena.


Quer saber? Ignora tudo que eu disse. Ignora e vai. Ele está te esperando lá embaixo.