domingo, 8 de janeiro de 2012

Camille e seu esmalte.

Camille,

Será que ainda é possível te chamar de minha? Ando pensando que você nunca foi inteiramente minha, infelizmente. Nem quando você olhava no fundo dos meus olhos e jurava por Deus que era comigo que você queria viver todos os seus dias... Nesses momentos era sua carência de afeto gritando, não era? Porque você nem ao menos acredita em Deus, Camille. Mas eu acreditei em nós dois. Mesmo quando você pintava sua boca e saia sem hora para voltar, eu ficava deitado naquele sofá te esperando. Eu te esperava por horas, passava a mão naquele gato rabugento, tentava me distrair com a televisão e aí você chegava. Quatro ou cinco da manhã. Meu peito que quase explodia de preocupação e de saudade se esvaziava subitamente. Lembro bem de cada sorriso que você me devolvia quando chegava em casa, eu não dizia nada e nem reclamava por sentir aquele gosto de vodka quando você vinha me beijar. Eu te aninhei em meus braços por tantas madrugadas enquanto você deixava suas lágrimas rolarem e sua maquiagem borrar completamente. Eu te acariciava até pegar no sono, te carregava até a cama e não te fazia pergunta nenhuma porque, como eu disse, eu acreditava em nós.

Não sei se você está se perguntando, mas agora eu estou em um apartamento bem menor que o nosso. Num bairro bem mais horrível e cheio de mulheres perdidas em cada esquina. Ontem eu saí para beber um pouco e acabei bebendo muito. Na volta pra casa, uma mulher estava parada com um cigarro e um vestido bastante justo bem na porta do meu prédio. Eu a olhei por alguns segundos e jurei que era você. Até chamei seu nome baixinho e ela sorriu maliciosamente para mim quando viu meus lábios se mexendo. Mas por aquele sorriso, eu voltei para a realidade e vi que não era você, seus sorrisos absorviam toda a paz que te rodeava e mesmo qualquer tipo de sorriso malicioso, era bonito de se ver. O daquela moça não, era um sorriso sujo. Ela começou a puxar papo e eu a trouxe aqui para cima. Camille, nojo foi tudo que eu senti. Nojo de mim, nojo dela, nojo do mundo e nojo da minha incapacidade de seguir em frente. Mesmo que você tenha me esquecido, ainda está pisando com seu salto agulha no meu peito. Eu não consigo seguir em frente e às vezes, quando estou bêbado eu me olho no espelho e sinto saudades de quando minha embriaguez se resumia a engolir suas lágrimas no escuro.

Durante nossos anos juntos todos momentos importaram, obviamente. Mas houveram duas situações que mexem com meu psicológico até hoje. A primeira situação ocorreu nos nossos primeiros meses juntos, lembro bem que pegamos um pouco de vinho, alguns cigarros e fomos para o topo de um morro não muito longe da cidade. Quando todo o vinho já havia se esgotado e quando você já estava deitada sobre minha camisa, eu contava as estrelas silenciosamente. Não sei se foi uma alucinação, mas eu e você, vimos juntos aquela estrela cadente e fizemos nossos pedidos. Eu sussurrei no seu ouvido o que havia pedido e você me deu um tapa no braço enquanto ria com a boca aberta, eu estava sem entender a graça e você disse: "Agora que você contou, não vai ficar comigo pra sempre". Eu ri também, claro, mas desde aquele dia, eu estremecia com medo de te perder, parecendo um garoto superticioso, mas veja só onde chegamos. Eu devia ter ficado calado, não é mesmo? A segunda situação foi quando, certa vez, você acordou no meio da noite, me abraçou apertado e começou a chorar. Eu acordei atordoado e acendi o abajur. Seus olhinhos, tão miúdos, estavam pequeninos me olhando e eu perguntei o que havia acontecido. Tive que perguntar nove vezes para você me mostrar suas unhas. Minha sobrancelha se manteve levantada enquanto eu observava seu esmalte vermelho descascado. Aí você suspirou e disse: "Passei esse esmalte ontem e olha como ele está.", eu sorri enquanto enxugava suas lágrimas e você continuou: "Eu não quero que com nós dois seja assim. Não quero que termine rápido, amor.". Acho que foi a comparação mais maluca que você já fez, mas foi uma das mais bonitas. Eu só disse que não acabaria nunca e apaguei a luz. Sorte a sua que não acabou rápido, azar o meu que acabou antes da eternidade que eu havia planejado para nós.

Não sei qual o propósito dessa carta, talvez seja só minha vontade de desabafar e você é a única que eu confio plenamente. Soa até um pouco irônico. Eu sei que quando você gritou chorando e me pedindo para ir embora, eu só fiz minhas malas em silêncio e fui. Eu sei que posso ter errado ao agir assim. Mas estava me doendo demais ver que você estava mal comigo e o que eu sempre prezei foi a sua felicidade. Antes mesmo de olhar para a minha felicidade, eu queria te ver feliz, Camille. E se iria te fazer feliz que eu fechasse a porta e descesse as escadas para nunca mais voltar, era aquilo que eu faria. Entende? Talvez seja essa a outra razão para que eu esteja te mandando essa carta: quero que você saiba que se você chamar, eu não penso duas vezes para largar esse lugar e voltar. Não sei se existe essa possibilidade de você me querer de volta, mas estou dizendo por precaução. Eu errei muito, assumo meus erros e me exponho nesse papel. Mas não é por remorso não, é por amor. Simples e complicado assim.

Eu te amo, Camille. Sempre vou te amar. E garanto que da próxima vez que eu ver uma estrela cadente, não contarei para ninguém meu pedido. Apesar de que você já deve saber exatamente o que eu pedirei.

Beijo grande,
do seu, sempre seu.

2 comentários:

Anônimo disse...

Será que Camille respondeu ou será que ela voltou? Por que será que ela pediu para ele ir embora? Por que ela estava infeliz com ele? Será que ela ainda o ama? Milhares de coisas passaram-se em minha mente, parabéns Paulinha! excelente texto :) beijos ;***

letícia lemos disse...

Me apaixonei pelo teu texto. Garota, não entendo, mas amei este em especial. Profundo, poético, completamente sentimental e tão, tão real. Me tocou. Me tocou lá fundo, e eu desabei. Quase choro. Me imaginei no lugar dele e sofri. Mas é isso que faz um texto tão bom: você sentir o que se passa. E eu senti. Parabéns pelo teu texto. Pelo teu blog. Pelo teu talento.
Parabéns, só isso.